Economia

Pandemia e a queda do poder aquisitivo dos brasileiros

Autor
Renan Gomes de Pieri
Data

Tem chamado a atenção nos últimos dias a escalada de preços de alguns produtos básicos na vida do brasileiro, como alimentos, combustíveis e aluguel. E dessa forma a inflação volta a ocupar o noticiário brasileiro, dividindo espaço com a temática da pandemia, do desemprego e da instabilidade política. E cabe aqui nos indagarmos sobre o impacto do aumento do custo de vida sobre o poder aquisitivo dos consumidores e o que explicaria tais mudanças.

Vou definir aqui o poder aquisitivo de uma pessoa pela quantidade de bens e serviços que esta consegue adquirir com suas fontes de renda, sejam elas rendimentos do trabalho, remuneração de capital ou de benefícios sociais. De forma simplificada, o poder aquisitivo seria a divisão da renda familiar per capita pelo índice de preços. Todo índice de preços é uma média ponderada dos preços de uma cesta de consumo representativa, ou seja, depende dos produtos que as pessoas consomem e do quanto da renda destinam para cada produto. De tal definição já pode-se concluir que o poder aquisitivo pode variar de maneira distinta entre grupos sociais, uma vez que as condições de trabalho podem evoluir de maneira diferente ou as mudanças de preços podem afetar mais uma parcela da população que consome mais desses produtos que ficaram mais caros.

Vamos iniciar pelo custo de vida. O índice de inflação que se usa como referência para avaliar o sucesso da política monetária é o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Nos 12 meses que vão de agosto de 2020 a agosto de 2021, o IPCA acumulou 9,68% de aumento nos preços, bem acima da meta estabelecida de 3,75% pelo Comitê de Política Monetária para 2021. Outro índice de inflação relevante para o mercado é o IGP-M, calculado pela FGV, que acumulou 35,75% entre junho de 2020 e junho de 2021, afetando bastante o reajuste dos contratos de aluguéis.

Embora uma inflação de 9,68% já impacte negativamente o poder de compra do consumidor, é comum tal número diferir da percepção do cidadão. Há duas razões para isso. Primeiramente, porque as pessoas se lembram mais dos produtos que mais subiram de preço, mesmo que estes não pesem tanto no índice de preços. É o caso do arroz, por exemplo, que embora o preço tenha subido 32,7% entre agosto de 2020 e agosto de 2021, seu peso no índice é de apenas 0,72%. Mesmo caso do etanol, que subiu 62% no período mencionado, mas cujo peso é de apenas 0,85% no índice.  Na mesma toada, passam despercebidos os produtos que caíram de preços e que ajudam a puxar a média para baixo, como o preço da cebola, que caiu 30% ou de passagens de ônibus interestaduais, que ficaram 4,8% mais baratos. A segunda razão é porque as pessoas têm cestas de consumo diferentes e os produtos que pesam mais na cesta de consumo do cidadão de baixa renda aumentaram mais de preço.

Para piorar o poder aquisitivo dos brasileiros, os rendimentos médios também decresceram no período. Pelos dados da PNAD Contínua, ao compararmos o trimestre móvel entre abril e junho de 2021 comparado ao mesmo período em 2020, a renda média do trabalho caiu 6,6% em termos nominais. E embora o nível de ocupados tenha crescido 5,3% no mesmo período, tal aumento não foi suficiente para aumentar a massa salarial, que caiu 1,7%. Ou seja, a quantidade total de dinheiro para o brasileiro gastar diminuiu e alguns sinais indicam que o rendimento do trabalho também concentrou mais. Um deles é o fato do rendimento entre trabalhadores do setor privado sem carteira ter caído mais do que a rendimento dos trabalhadores formais, e consideravelmente mais do que os ganhos de funcionários públicos. O fato de a pandemia ter atingido principalmente o setor de comércio e serviços e a implementação do programa do governo federal que ajudou exclusivamente a manter empregos formais explicam esse impacto negativo maior sobre os trabalhadores informais. O impacto sobre a concentração de renda só não foi maior porque o auxílio emergencial, na sua primeira versão, mais do que compensou a perda média de renda por parte dos mais pobres. Mas, uma vez que o programa teve o benefício reduzido e limitado, deve-se esperar um aumento nos índices de desigualdade de renda.

Se os rendimentos dos trabalhadores caíram e os preços aumentaram não restam dúvidas que o poder aquisitivo do brasileiro piorou nos últimos meses. Mas o que podemos especular sobre o futuro?

Nada indica que o nível de preços irá se estabilizar tão rapidamente. O relatório da pesquisa Focus, divulgado pelo Banco Central em 17 de setembro mostra que a expectativa do mercado para o IPCA em 2021 é de 8,35%. Na semana anterior era de 8% e quatro semanas antes era 7,11%. Em outras palavras, os agentes econômicos vêm ajustando para cima seguidamente a taxa de inflação esperada. E se as pessoas esperam que os preços irão subir, reajustam seus contratos com preços mais altos e a inflação tende a aumentar, tornando mais custoso para o Banco Central tentar reduzir a taxa de inflação com aumento de juros.

No caso do mercado de trabalho, as perspectivas são um pouco melhores. Com o avanço da vacinação e redução expressiva dos casos de covid-19, naturalmente o setor de comércio e serviços deve se reaquecer, aumentando as contratações e rendimentos. Todavia, muitas empresas fecharam e muita riqueza se perdeu durante a pandemia. É de se esperar que a recuperação não seja suficiente para trazer a taxa de desemprego para o nível pré pandemia (que já era alto). Em outras palavras, o mercado de trabalho deve melhorar, mas teremos que ter alguns anos de recuperação econômica para recompor as perdas da pandemia. O mesmo relatório Focus mostra que o crescimento esperado do PIB para 2022 é de apenas 1,63% e, para 2023, 2,3%. Ou seja, sem políticas econômicas que organizem as contas públicas e promovam o investimento e o aumento da demanda por trabalho, vai demorar para o brasileiro recuperar seu poder aquisitivo.

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