A pandemia, o PIB de 2021 e o impacto nas séries ajustadas sazonalmente

Economia
14/06/2021
Claudio Considera
Juliana Trece
Roberto Olinto

As previsões de crescimento do PIB este ano, fortemente influenciadas pelo resultado do primeiro trimestre, podem estar muito sobrestimadas. A base de comparação é baixa e os fatores sazonais podem estar prejudicados pela pandemia.

A divulgação do PIB do primeiro trimestre de 2021 com crescimento de 1,2% comparado com o quarto trimestre de 2020 e de 1 % quando comparado a igual trimestre de 2020, ocasionou uma onda de otimismo avassaladora. Já se fala até em crescimento de 6% para este ano.

Há vários cuidados que devemos tomar quanto a esse otimismo. Em primeiro lugar o primeiro trimestre de 2020 não era dos mais promissores como já mostrava o Monitor do PIB nos meses de janeiro e fevereiro, antes mesmo da chegada da pandemia; e, a partir da segunda quinzena de março com o início da pandemia no país e o isolamento social que influenciou bastante a atividade econômica. O IBGE registrou no primeiro trimestre de 2020 queda de 0,3% comparada ao mesmo período de 2019 e -2,2 comparada ao quarto trimestre de 2019. Ou seja, trata-se de uma base de comparação deprimida.

Ao par disso, neste primeiro trimestre do ano a economia se organizou e enfrentou a pandemia de forma mais ágil. O setor de serviços em particular, que depende da interação social, superou algumas de suas dificuldades como no caso do comércio com a adoção de compras por internet e das entregas em casa; e o serviço de alimentação fora da residência que foi internalizado por parte das famílias com entregas variadas. Educação resolveu em parte com a adoção do ensino à distância e os atendimentos de saúde em que foram adotados cuidados necessários. Adicionalmente, parte da população aparentemente abandonou os cuidados necessários o que refletiu positivamente na economia, mas muito negativamente no espalhamento da doença e na média do número de mortos que chegou a ser superiores a 4 mil óbitos diários, em alguns dias.

Mas o maior problema está no índice dessazonalizado.  Em geral, os fatores sazonais pouco mudam de um ano para outro e o efeito calendário com os maiores eventos não costumam ter um impacto tão grande quando se trata de séries de frequência trimestrais.  No entanto, como a pandemia alterou fortemente o padrão econômico isso acabou tendo impacto na sazonalidade nos modelos de ajuste sazonal. A partir do segundo trimestre de 2020 até o momento o movimento tradicional sazonal desapareceu, dias trabalhados, férias, feriados, Natal, Ano-Novo, Turismo no Verão, etc. não se realizaram. Tivemos um ano “flat”. Sabemos que os fatores sazonais pouco mudam, em condições normais, e o efeito calendário com os maiores eventos não costumam mudar quando se trata de trimestres. No entanto, o padrão sazonal do último ano (2º tri 2020 - 1º tri 2021) está fortemente alterado e, ainda, não se consegue observar claramente a precisão dos pacotes de ajuste sazonal

Por esta razão, foi realizado exercício heroico na série trimestral considerando os fatores sazonais de 2019, por ser o período de um ano inteiro anterior a pandemia. A partir disso, os fatores sazonais trimestrais de 2019 foram aplicados aos números dos mesmos trimestres da série encadeada de 2020 e do primeiro trimestre de 2021. O resultado do exercício realizado na série do PIB do Monitor do PIB-FGV  do primeiro trimestre, divulgado em 17 de maio mostraram mudanças significativas (de 1,7% para 1,2%, no resultado do exercício). Repetimos agora o mesmo exercício com os valores do PIB do primeiro trimestre do IBGE divulgados em 1º de junho, cujos resultados estão na tabela abaixo que  mostram as taxas divulgadas pelo IBGE (primeira coluna) e a estimada em nosso exercício (segunda coluna), e no gráfico as respectivas linhas de evolução.


Feito o exercício, repara-se que o PIB do primeiro trimestre de 2021 continua apontando crescimento (+0,4%), porém a uma taxa significativamente menor do que na série ajustada habitualmente (+1,2%). Esta grande variação dos resultados ao adotar apenas efeitos sazonais do ano imediatamente anterior, mostra o quanto é importante, neste momento de alta instabilidade da economia, ter bastante cautela na análise dessas informações. Os resultados podem não estar refletindo apenas as oscilações econômicas, mas também questões estatísticas decorrentes das especificidades dos modelos de ajuste sazonal que podem distorcer a realidade.

Não há um consenso, neste momento, sobre qual a melhor forma de se ajustar sazonalmente essas séries, ainda mais que a pandemia continua impactando a economia. O que se sabe é que é importante levar em consideração todas essas características no momento de avaliar a real condição da economia.

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*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.

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Autor(es)

  • Claudio Considera

    Doutor em Economia (UFF), mestre em Economia (UnB), pós-graduado em Análise Econômica (CENDEC/IPEA) e graduado em Economia (UFF). Foi chefe das Contas Nacionais do IBGE (1986-1992), Diretor do IPEA (1992-1998) e Secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (1999-2002). Atualmente coordena o Núcleo de Contas Nacionais (NCN) da FGV IBRE, sendo um dos autores do Monitor do PIB-FGV e do IAE-FGV.

  • Juliana Trece

    Doutoranda em População, Território e Estatísticas Públicas pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE IBGE), Mestre em Economia Empresarial pela Escola Brasileira de Economia e Finanças (FGV EPGE) e bacharel em Economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). É economista do Núcleo de Contas Nacionais do FGV IBRE sendo a analista responsável pela elaboração mensal do Monitor da Atividade Econômica (Monitor do PIB-FGV e IAE-FGV) do qual é uma das autoras.

  • Roberto Olinto

    Doutorado em Engenharia de Produção COPPE/UFRJ, Foi Presidente (2017-2019), Diretor de Pesquisas (2014-2017) e Coordenador de Contas Nacionais (1995-2014) do IBGE, Membro do Advisory Expert Group em Contas Nacionais das Nações Unidas (2002-2019), Consultor do Departamento de Estatísticas do Fundo Monetário Internacional para contas nacionais, atualmente pesquisador associado do FGV IBRE. 

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