Pouso suave no curto prazo, mas com incertezas em prazos mais longos
A desaceleração moderada e continuidade da desinflação ocorrem no Brasil e em diversos países, mas juros devem permanecer elevados no médio prazo. O pouso poderá ser suave, mas não levará as economias de volta ao passado.
Os dados divulgados nas últimas semanas reforçam a expectativa de uma desaceleração moderada da atividade econômica no Brasil e, concomitantemente, da continuidade do processo desinflacionário em curso, ainda que com o núcleo de inflação caindo em ritmo bem mais gradual.
Esse cenário não é apenas para o Brasil. De fato, o processo tem sido similar na grande maioria dos países desenvolvidos e emergentes. Na América Latina, em particular, a valorização das moedas, a queda dos preços de commodities e de bens industriais, bem como a desaceleração da atividade explicam em grande medida esse quadro. Países que iniciaram o aperto monetário mais cedo estão observando dados de inflação mais favoráveis, e, com isso, os bancos centrais começaram o ciclo de flexibilização da política monetária. Este é o caso do Brasil.
Já para os principais bancos centrais de países desenvolvidos, a tendência é de sinalização de que estão perto de encerrar o ciclo de alta dos juros, pois a inflação está cedendo, a despeito de uma atividade econômica ainda bem resiliente. Em particular, nos EUA, o crescimento continua sustentado pela demanda doméstica, com o mercado de trabalho em desaceleração muito lenta, como refletido na massa salarial ainda em expansão. Mesmo assim, a variação do núcleo da inflação em 12 meses atingiu 4,7% em julho, após alcançar 6,6% em setembro de 2022. Já a inflação cheia recuou para 3,2% em julho, vindo do pico de 9,1% em junho de 2022. Sem dúvida, a deflação em bens tem sido fundamental para esses resultados, mas, ao mesmo tempo, há sinais de desaceleração dos salários, contribuindo para um cenário prospectivo mais favorável. Mesmo assim, tudo indica que a taxa de juros praticada pelo Fed deve permanecer elevada por um tempo prolongado.
Então podemos dizer que o debate atual está se direcionando para questões relacionadas à taxa de juros neutra. Se a atividade tem se mostrado mais positiva, a perspectiva é de uma taxa de juros neutra mais elevada, inflação mais persistente e, com isso, os prêmios de prazos mais longos se elevam. Consequentemente, os rendimentos dos títulos americanos e globais de prazo mais longo subiram nas últimas semanas. Adicionalmente, houve necessidade de maior emissão de títulos do Tesouro americano, devido ao maior déficit orçamentário, além da necessidade de repor as reservas gastas durante a negociação de relaxamento do teto de dívida. Vale registro, também, do impacto das mudanças na política monetária adotada pelo Banco do Japão.
Com isso, a perspectiva é que a inflação ficará ainda elevada por um bom tempo, assim como teremos juros reais mais altos a médio prazo: e consequentemente, haverá juros longos mais elevados também. Portanto, um cenário bem distinto do que prevaleceu entre a Grande Crise Financeira e o início da pandemia. O pouso poderá ser suave, mas não levará a economia de volta ao passado.
Já na área do euro, o PIB do segundo trimestre cresceu 0,3% em relação ao primeiro trimestre, que havia registrado estabilidade. Quanto à inflação, o índice cheio de julho cedeu de 5,5% para 5,3%, no acumulado em 12 meses, mas com a medida de núcleo estável em patamar elevado, de 5,5%. A inflação de serviços segue pressionada. Diante desse quadro, o Banco Central Europeu, após elevar a taxa básica em 0,25 p.p., para 3,75%, afirmou que o cenário está aberto para as próximas reuniões, ressaltando a preocupação com a inflação subjacente e com a piora das projeções do Comitê. Como a atividade continua mostrando sinais positivos, tudo indica que haverá novo aumento de juros em setembro.
E, por fim, como esperado pelo Boletim Macro, os dados da China continuam apontando um cenário de desaceleração mais intensa da atividade que o esperado pelo mercado, que deve perdurar, a despeito do afrouxamento monetário ocorrido no dia 15 de agosto. Além da fraca demanda externa, a demanda doméstica também não dá sinais de retomada. Somados a isso, os problemas no setor imobiliário se intensificam. Por ora, a previsão de crescimento é de 5,0% em 2023, de acordo com as previsões do pesquisador Lívio Ribeiro[1], pois avaliamos que seja improvável que o estímulo reverta a desaceleração em curso, que tem um componente mais estrutural. Para 2024, o crescimento deve cair outra vez, para uma taxa mais próxima de 4%.
Nesse contexto, se consolida um quadro de um pouso mais suave no curto prazo nos EUA. No Brasil, também observamos um desempenho relativamente estável da atividade no segundo trimestre, com destaque para o setor de serviços e o consumo das famílias. Com isso, a despeito da expectativa de uma contribuição negativa das atividades menos cíclicas, como a agricultura, a maior resiliência dos serviços tem contribuído para um resultado mais favorável. Revimos nossa previsão de crescimento do PIB do segundo trimestre, em relação ao primeiro, de -0,4% para -0,1% (TsT). Para o ano fechado revisamos de 1,6% para 1,8%; no entanto, em torno de 2/3 desse resultado decorre das atividades mais exógenas à atuação da política monetária e apenas 1/3 desse crescimento vem das atividades cíclicas. É importante destacar que a variação das atividades cíclicas também reflete a participação de atividades que compõem o setor do agronegócio, como a agroindústria e os serviços associados ao setor.
Com relação às atividades cíclicas, a despeito dos efeitos contracionistas da política monetária, o crescimento tem sido sustentado pela renda, devido não apenas às políticas de transferência de renda, como também ao mercado de trabalho que tem surpreendido favoravelmente. Apesar de os dados mostrarem uma desaceleração do emprego formal com carteira assinada (Caged), a população ocupada continua crescendo e, com isso, esperamos uma taxa de desemprego média no ano de 8,5%, abaixo das nossas estimativas de NAIRU, que é aquela taxa de desemprego que não gera inflação, que estimamos entre 9,0%-9,5%.
Por um lado, surpresas positivas no mercado de trabalho impulsionam o consumo no curto prazo, mas, por outro, podem dificultar a continuidade da queda da inflação de serviços à frente. Além disso, a taxa de participação deve permanecer abaixo da média observada em 2019, podendo dificultar a retomada da economia sem pressões inflacionárias. Estimamos que a taxa de desemprego, com ajuste sazonal, foi de 8,2% em junho de 2023, mas ficaria em torno de 11% caso a taxa de participação estivesse na média de 2019. Ou seja, o aperto no mercado de trabalho não existiria se a taxa de participação tivesse permanecido a mesma, o que permitiria queda mais acentuada da taxa de juros, sem riscos inflacionários.
Mas um ponto muito negativo, que chama atenção, é a contração do investimento no segundo trimestre em relação ao mesmo período do ano passado. Na margem, esperamos um moderado crescimento no trimestre, de 0,8%, insuficiente para compensar a queda de 4,6% acumulada no último trimestre de 2022 e no primeiro de 2023. Portanto, insuficiente para compensar o carregamento estatístico negativo para o ano.
E, para tornar o quadro à frente ainda mais desafiador, a desaceleração da atividade econômica e a redução nos preços de commodities impactam negativamente a arrecadação de tributos, com as receitas caindo também devido à decisão de reduzir a distribuição de dividendos pelas estatais. Concomitantemente, as despesas se intensificaram, o que levou o setor público consolidado a registrar um déficit de 0,24% do PIB nos doze meses encerrados em junho, ante superávit de 0,38% do PIB no mês anterior. Tudo indica um déficit da ordem de 1% do PIB neste ano e o risco é de ele ser ainda maior em 2024.
Ainda há muita incerteza sobre a capacidade de o governo de reduzir o déficit em 2024. O governo deve divulgar medidas adicionais para aumentar as receitas, mas que precisam passar pelo Congresso, com o objetivo de zerar o déficit primário. A proposta orçamentária de 2024 será enviada ao Congresso até o dia 31 de agosto deste ano. A expectativa é que o novo arcabouço fiscal também seja aprovado na Câmara nas próximas semanas, ainda que o seu conteúdo seja mais incerto. Assim, há ainda muitos desafios para se conseguir atingir o objetivo do governo, de zerar o déficit em 2024. Em breve, se espera, teremos mais detalhes sobre a capacidade de o governo de aumentar a arrecadação, em um contexto de expansão contínua de gastos.
Assim, como seria de esperar, a questão da credibilidade do arcabouço se intensifica. Com o lançamento do novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), volta a discussão sobre novas exceções às regras de meta fiscal, pois a intenção do governo é excluir da meta os investimentos do novo PAC realizados por empresas estatais. Sem dúvida, isso acaba criando uma situação que já vimos acontecer no passado, ou seja, a credibilidade das regras fiscais é reduzida. A melhor solução para o PAC seria alocar esses gastos nas emendas parlamentares ou no próprio orçamento público, mas não a exclusão da regra.
Não há saídas fáceis para problemas difíceis. Temos que entregar resultado fiscal, ou seja, a volta do superávit primário que vai gerar estabilização da dívida no futuro e permitir uma redução mais consistente da taxa de juros real. Por enquanto estamos muito distantes desse cenário. O resultado mais favorável no curto prazo, em termos de sustentação da atividade e redução da inflação, não assegura a continuidade desse cenário à frente. Os desafios persistem.
Este é o Sumário do Boletim Macro Ibre de Agosto de 2023.
Este artigo foi publicado no dia 25 de agosto no Blog do IBRE.
*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.
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