Os Preços livres dos combustíveis para uma transição energética segura
Os preços dos combustíveis são um importante eixo de análise para, além da economia e suas projeções de crescimento e inflação, o planejamento do setor energético, que nos últimos meses tem sido desafiado mundialmente a conciliar a garantia da segurança do abastecimento e a transição para alternativas de baixa emissão de carbono.
No primeiro aspecto, a guerra na Ucrânia, as sanções impostas à Rússia e os consequentes riscos contra a oferta global de petróleo e gás natural dispararam as cotações internacionais dessas commodities. No segundo, o planeta enfrenta uma emergência climática contra a qual os países se comprometem a mitigar suas emissões de gases de efeito estufa mediante, entre outros, a transição no setor energético.
Diante dessas duas crises, geopolítica e climática, o planejamento energético difere entre os países. Diferentemente dos europeus, onde é necessário lidar com a predominância dos combustíveis fósseis na geração de energia elétrica e no aquecimento, no Brasil os choques externos impactam, sobretudo, o mercado de combustíveis para os transportes, sendo a continuidade do abastecimento o principal desafio à política energética nacional.
Além da importação de produtos derivados, como o diesel e a gasolina, para complementar a insuficiente capacidade das refinarias nacionais, o petróleo processado no parque de refino doméstico é uma mistura do óleo do pré-sal brasileiro e do blend mais leve importado do Oriente Médio. Logo, cabe aos preços mais altos na bomba garantir a manutenção desse suprimento e o equilíbrio entre a oferta e a demanda nacional. Além disso, a cadeia de valor na qual as companhias de petróleo e gás estão inseridas, entre elas a Petrobras, é globalizada e, portanto, os investimentos são definidos de acordo com o preço do barril de petróleo negociado no mercado internacional. Em outras palavras, são os preços que garantem os negócios e, por conseguinte, a viabilidade do fluxo “poço ao posto”.
Destaca-se que no Brasil completaram-se 20 anos de preços livres no mercado de combustíveis, após ter sido concluído, em 2002, um período transitório inaugurado pela Lei do Petróleo (Nº 9.478/1997). Considerada o baluarte da abertura do setor de petróleo e gás no país, esse marco legal não alterou automaticamente a realidade do setor, pois, ainda que preveja a promoção da livre concorrência, a atração de investimentos e a proteção do consumidor quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos, esses avanços dependem das condições reais do mercado para fomentar novos contratos por novos atores. Entre essas condições, uma política transparente de preços, que garanta ao investidor a previsibilidade para definir suas estratégias e competir com seus produtos, de origem fóssil ou não, no mercado.
Os choques externos do petróleo permitiram, historicamente, ao Brasil ter experiência em minimizá-los com políticas públicas e investimentos em alternativas limpas, como foi o caso do desenvolvimento do biocombustível da cana-de-açúcar e a inserção do gás natural veicular (GNV). Ao mesmo tempo, os choques estimularam o país a buscar pela autossuficiência na produção petrolífera, que hoje desponta uma intensa atividade exploratória em campos offshore de águas profundas. Portanto, o Brasil é, hoje, mais resiliente aos choques, o que não significa ao planejamento energético nacional uma posição confortável para ignorar oportunidades geradas pela crise geopolítica e climática, e se esquivar do imenso potencial energético capaz de garantir duplamente a segurança e a transição necessárias.
Os desafios contemporâneos estimulam o Brasil e o mundo a buscarem diferentes rotas tecnológicas, exemplificando: a inserção do gás natural liquefeito (GNL) em frotas pesadas; a eletrificação dos veículos leves; o desenvolvimento dos biocombustíveis avançados; o uso do biogás e biometano; a amônia para o setor marítimo e os combustíveis de aviação sustentáveis, considerados meios de transporte de difícil descarbonização; futuramente, as células de hidrogênio; entre outros campos da transição para além das fontes, como a eficiência e a digitalização dos processos operacionais.
Controlar artificialmente os preços de combustíveis fósseis implicaria, então, afugentar alternativas para uma economia descarbonizada, incluindo investimentos das próprias companhias de óleo e gás em negócios de baixo carbono. A Petrobras, por exemplo, vai destinar US$2,8 bilhões até 2026. Em um futuro no qual exista maior diversidade e complementariedade de combustíveis sendo ofertados no mercado, há menor vulnerabilidade à dominância do petróleo na matriz energética nacional e global. Neste cenário, os preços do etanol no Brasil não mais flutuariam em função do maior ou menor consumo de gasolina, pois existirão mais combustíveis alternativos e mais veículos tecnologicamente adaptáveis, como os híbridos flex.
Dessa forma, a livre flutuação dos preços, além de preservar a segurança energética, estimula a competição interenergética, favorecendo uma transição capaz de agregar alternativas diversas e complementares no mercado de combustíveis. Para além da relevância do aspecto ambiental/climático, a transição precisa ser economicamente viável e, por tal, não pode ser socialmente excludente.