Uso de cigarros eletrônicos em universidades: desafios e propostas de ação
O consumo de cigarros eletrônicos – conhecidos como vapes – tem se destacado como uma questão alarmante de saúde pública, especialmente entre jovens universitários. Apesar de proibidos pela Anvisa desde 2009[1], esses dispositivos continuam amplamente disponíveis, desafiando tanto a legislação quanto os mecanismos de fiscalização.
O Cenário em Universidades
Dados de uma pesquisa realizada em 2024 com 122 estudantes de graduação da FGV EAESP mostram um cenário preocupante. A pesquisa é um Trabalho de Conclusão de Curso da Graduação em Administração Pública da FGV EAESP e, embora a amostra não represente todo o corpo discente, é interessante conhecer seus resultados e pensar propostas de ação.
Com idades entre 18 e 21 anos, 55% das participantes se identificaram como mulheres. Entre os entrevistados, quase 30% admitiu usar cigarros eletrônicos, sendo que 10% relataram consumo diário e 20% utilizaram ocasionalmente, em eventos sociais.
Outro dado relevante é que quase um terço de quem se declarou não fumante afirmou ter experimentado o vape ao menos uma vez, geralmente motivado por curiosidade (57%) ou influência social (36%) em contextos sociais e locais públicos, como festas e bares. Outros fatores de motivação incluíram a prática e os sabores agradáveis dos dispositivos.
Apesar da alta adesão, mais de 90% dos entrevistados reconheceram que os cigarros eletrônicos são tão ou mais prejudiciais que os convencionais. Isso evidencia um paradoxo: os jovens estão cientes dos riscos, mas continuam a utilizá-los.
Os desafios da proibição no Brasil
Embora a legislação brasileira proíba os cigarros eletrônicos desde 2009, sua eficácia é limitada. A logística eficiente do mercado clandestino garante o acesso fácil aos dispositivos, enquanto o uso em ambientes como campi universitários passa frequentemente despercebido e sem penalização.
A experiência de outros países oferece perspectivas interessantes. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, os vapes são regulamentados com restrições à propaganda e controle dos ingredientes. No entanto, mesmo nesses locais, surgem iniciativas para restringir ainda mais seu uso. No Brasil, a proibição absoluta pode não ser a solução ideal, já que ela não tem impedido o consumo.
Propostas para um cenário mais saudável
Diante do crescente consumo de cigarros eletrônicos entre universitários, é essencial implementar medidas integradas para conter essa tendência. Campanhas de conscientização voltadas ao público jovem podem desempenhar um papel crucial, utilizando redes sociais e eventos para comunicar de forma clara os riscos associados aos vapes. Abordagens que considerem a linguagem e os interesses dessa faixa etária têm maior potencial de influenciar comportamentos.
Outro ponto fundamental é o combate ao mercado clandestino. Parcerias com plataformas de e-commerce para restringir a venda ilegal e ações de fiscalização mais rigorosas podem dificultar o acesso aos dispositivos, reduzindo sua popularidade. Paralelamente, o Brasil poderia considerar a regulamentação controlada, com impostos elevados, restrições à propaganda e controle rigoroso dos ingredientes, como forma de desestimular o consumo.
Dentro dos campi universitários, medidas específicas também são necessárias. Reforçar a proibição do uso de vapes por meio de campanhas internas, combinadas com maior fiscalização, pode ajudar a criar um ambiente menos permissivo e mais saudável.
Por fim, investir em pesquisas científicas sobre os efeitos de longo prazo do uso de cigarros eletrônicos é essencial para embasar políticas públicas eficazes. Embora danos oxidativos e inflamatórios já sejam conhecidos, dados mais abrangentes são indispensáveis para entender o impacto total desses dispositivos e formular estratégias de combate mais robustas, como já apontaram pesquisadores do Centro Universitário Santa Maria.
Para além da fumaça: uma nova perspectiva
O consumo de cigarros eletrônicos entre estudantes universitários reflete desafios maiores nas políticas de saúde pública do Brasil. A proibição, isolada, tem se mostrado insuficiente frente à eficiência do mercado clandestino e à aceitação social dos vapes.
Medidas integradas – incluindo conscientização, fiscalização, regulação e incentivo à pesquisa – são indispensáveis para proteger a saúde dos jovens e criar ambientes acadêmicos mais seguros e saudáveis. Ao repensar estratégias e adotar abordagens mais eficazes, é possível conter essa tendência preocupante e promover mudanças significativas no cenário atual.
Autores
Ana Maria Malik
Graduada em Medicina pela USP, mestre em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas e doutora em Medicina (Medicina Preventiva) pela USP. Professora Titular da Escola de… ver maisAna Maria Malik
Graduada em Medicina pela USP, mestre em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas e doutora em Medicina (Medicina Preventiva) pela USP. Professora Titular da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV EAESP), acadêmica eleita para a Academia Brasileira da Qualidade. Atualmente é parecerista ad hoc de diversas revistas de gestão e de saúde, membro de conselho editorial da Revista Einstein, professora convidada da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, membro do conselho da Alass (Associação Latina para Análise dos Sistemas de Saúde), e da Fundação para Segurança do Paciente. É Coordenadora do FGVsaúde da FGV EAESP, diretora adjunta do PROAHSA da FGV e coordenadora da linha de saúde do Mestrado Profissional em Gestão para a Competitividade (MPGC) da FGV EAESP.
Fernanda Mendes Napolitano
Administradora Pública pela FGV EAESP ver maisFernanda Mendes Napolitano
Administradora Pública pela FGV EAESP