Ventos e jabutis no PL das eólicas "offshore''
Projeto está de volta no Senado, portanto ainda há tempo para que bons ventos soprem no estabelecimento do marco legal das eólicas "offshore".
A transição energética é um tema crucial globalmente, com implicações significativas para o meio ambiente, a economia e o desenvolvimento tecnológico. Dentre as inovações que têm emergido, destaca-se a possibilidade de geração de energia elétrica a partir de parques eólicos offshore, ou seja, em alto-mar. Essa solução tem sido considerada particularmente relevante para países com disponibilidade limitada de terras adequadas para a geração onshore.
O Brasil já ocupa uma posição de destaque internacional no uso de energias renováveis e tem significativo potencial para a expansão de eólicas onshore e outras fontes de energia limpa. Portanto, talvez essa tecnologia ainda não seja uma prioridade no País, em razão dos seus desafios de natureza ambiental, de coordenação com atividades marítimas, como a navegação, e econômica.
De todo modo, deixar o ambiente regulatório seguro para quem quiser investir é sempre uma medida de prudência, contexto no qual se insere o Projeto de Lei n.º 576/2021, de iniciativa do Senado Federal. Em sua versão inicial, o texto tinha como objetivo disciplinar a outorga de autorizações para aproveitamento de potencial energético offshore, trazendo os princípios da sua exploração.
Aprovada no Senado, a matéria seguiu para a Câmara dos Deputados. Foi então que novos ventos começaram a soprar. A proposição ganhou um substitutivo e diversos “jabutis”, que, além de comprometerem a coerência da proposição legislativa voltada para a promoção de energia limpa, introduziram subsídios que impactam as tarifas de energia.
Todavia, entre as modificações introduzidas no texto, destacam-se a contratação de usinas térmicas a gás natural; a continuidade da operação de usinas movidas a carvão mineral; a prorrogação dos prazos para que fontes de energia renovável iniciem suas operações com benefícios fiscais; a contratação específica de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs); e a ampliação do prazo para que micro e minigeração distribuída comecem a operar, mantidos os subsídios. Foram também incluídas medidas como a construção de uma planta para produção de hidrogênio e a contratação direcionada para parques eólicos na Região Sul.
A justificativa apresentada para essas emendas pauta-se numa suposta necessidade de fortalecer as matrizes energéticas que garantem a segurança do sistema, o que seria importante para o “período de transição energética”.
Essas inovações, além de fugirem ao tema central do projeto de lei, parecem ir de encontro ao objetivo de assegurar a expansão da geração por fontes renováveis sem onerar excessivamente os consumidores. É crucial refletir se, ao proteger setores tradicionais e impor novos subsídios, o projeto de lei estaria criando distorções regulatórias que podem encarecer a conta de luz aos consumidores cativos e comprometer a concorrência entre diferentes fontes no longo prazo. A criação e a prorrogação de subsídios cruzados distorcem a estrutura de incentivos de mercado, que deveria estar focada em estimular a diversificação do mix de energias renováveis de forma equilibrada, com sinalizações adequadas de preços.
A matéria está de volta no Senado Federal, de modo que ainda há tempo para que bons ventos soprem no estabelecimento do marco legal das eólicas offshore.
*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.
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