EAESP discute licenciamento ambiental a partir da experiência de Belo Monte
O evento debateu questões ligadas ao licenciamento ambiental no Brasil para os próximos anos a partir da experiência da construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, em Altamira (Pará).

O Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces) da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV (EAESP) realizou o seminário ?Caminhos e descaminhos do licenciamento ambiental no Brasil?. O evento, realizado no último mês, debateu questões ligadas ao licenciamento ambiental no Brasil para os próximos anos a partir da experiência da construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, em Altamira (Pará).
A construção da hidrelétrica é um exemplo da complexidade no que diz respeito ao licenciamento ambiental. Mesmo nas condições atuais, o processo de licenciamento não foi capaz de garantir o atendimento de diversas necessidades socioambientais das comunidades da região que foram afetadas pela obra. Muitos impactos decorrentes da construção da usina não foram endereçados pelo empreendedor e muitas condicionantes acabaram sendo descumpridas ou cumpridas parcialmente, com prejuízos significativos para a população de Altamira e região.
?No debate sobre licenciamento ambiental, precisamos fugir da polarização. A questão não é ser contra ou a favor de mudanças na lei. O que a gente precisa nesse debate são de perguntas mais qualificadas e, principalmente, compreender melhor tudo isso sob o ponto de vista de quem vive nas regiões que recebem essas grandes obras?, disse Daniela Gomes, coordenadora do programa Desenvolvimento Local do GVces e gestora do projeto Indicadores de Belo Monte.
O evento trouxe para o debate o problema central para o processo de licenciamento, que é lidar com os desafios e as necessidades humanas e ambientais da localidade que está para receber uma grande obra. As experiências práticas até hoje mostram que a implementação e operação de empreendimentos na região da Amazônia não conseguem considerar estas questões de maneira apropriada, o que gera problemas para as comunidades afetadas e para os empreendedores.
Nesse contexto, Belo Monte foi mais um exemplo dessa dificuldade prática do processo de licenciamento. Pela magnitude da obra, ela teve um impacto profundo nas dinâmicas econômicas e sociais do seu entorno, e as condicionantes estabelecidas durante o processo de licenciamento ambiental não foram capazes de minimizar os efeitos negativos da usina - ou, em muitos casos, as condicionantes sequer foram atendidas plenamente pelo empreendedor.
?O planejamento em Belo Monte foi equivocado. Para mim, ele teria que partir das estruturas existentes na região, do fundamento da realidade, para aí construir elementos estruturantes. A lógica em Belo Monte foi totalmente inversa: a estrutura foi imposta pelo empreendedor sobre a realidade local?, destacou Francisco Costa, professor e pesquisador da Universidade Federal do Pará (UFPA).
O caso Belo Monte é emblemático porque uma das condicionantes previstas pela obra era a construção do sistema de saneamento básico em Altamira. Apesar da construção de toda a rede, ela não foi conectada às casas. Outro exemplo é o hospital municipal da cidade, construído pelo empreendedor também como contrapartida no processo de licenciamento. A obra foi realizada, mas o empreendedor entende que o custeio e a manutenção do hospital deveriam ser de responsabilidade do poder público. Assim, ainda que o hospital esteja construído e equipado há mais de um ano, ele não foi inaugurado e está inoperante até hoje. O reassentamento das comunidades afetadas pela construção da UHE Belo Monte também foi problemático, com dificuldades na infraestrutura das casas e no acesso aos serviços básicos e de lazer. O somatório disso é a relação conflituosa entre a comunidade local, poder público e o empreendedor desde o começo das obras.
?Para mim, legado é coisa boa. Assim, cheguei à conclusão de que o maior legado de Belo Monte é o aprendizado dos erros. Se nós pegarmos o conhecimento de tudo que foi equivocado e tentar prevenir no futuro, aí sim o que vivemos em Belo Monte valerá a pena?, disse Gracinda Magalhães, técnica de saúde e representante do Fórum de Defesa de Altamira.
Sobre os Indicadores de Belo Monte
Realizado pelo GVces, o projeto Indicadores de Belo Monte dedicou-se ao desenvolvimento de uma metodologia para monitorar o cumprimento de um conjunto de condicionantes do licenciamento ambiental da usina, bem como a eficácia de políticas públicas e ações que se relacionam com essas medidas e a efetividade do desenvolvimento da região que recebeu o empreendimento.
O monitoramento se deu olhando para educação, saúde, saneamento básico, deslocamentos compulsórios no meio rural, malária e fiscalização ambiental, além de questões indígenas (saúde, educação e proteção de terras), de regularização fundiária e de comitês de participação social.
Para tanto, a equipe do GVces atuou em Altamira durante 15 meses, entre 2014 e 2015, reunindo representantes dos atores envolvidos para construir matrizes temáticas de indicadores e para coletar dados.
No primeiro semestre de 2016, o GVces publicou o relatório final do projeto, que sistematizou o trabalho desenvolvido e seus aprendizados.
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