Institucional

Transparência na escolha dos novos ministros do STF - artigo de Oscar Vilhena Vieira

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A nomeação do próximo ministro do Supremo Tribunal Federal é assunto da maior importância. A ministra Ellen Gracie se aposentou no início de agosto. Há quase três meses, portanto, a sociedade aguarda ansiosa a indicação de seu sucessor (ou sucessora, de preferência). No procedimento brasileiro, a nomeação dos ministros pelo Presidente da República se dá após a aprovação da maioria absoluta do Senado Federal. Nas duas últimas vagas preenchidas no Supremo, uma pelo Ministro Dias Toffoli e outra pelo Ministro Luiz Fux, o tempo entre a publicação da indicação no Diário Oficial e sua aprovação pelo Senado foi de uma semana. Já entre a aprovação pelo Senado e a nomeação presidencial, o tempo foi de dois dias. É muito pouco para que a sociedade tome conhecimento dos antecedentes do candidato e de sua visão do direito e do mundo, e construa uma opinião madura a respeito.
 

O STF exerce hoje um papel peculiar quando comparado não apenas a outros tribunais constitucionais, mas também ao seu próprio passado. Em 1988, quando os constituintes desenharam a arquitetura do Supremo, o tribunal julgou 16.313 processos. Hoje, os dados mais atualizados mostram que o STF decidiu, em 2010, 103.869 casos. Além disso, as temáticas enfrentadas se diversificaram e ganharam relevo com o passar do tempo - de direitos fundamentais, como aborto e ações afirmativas, a reforma política, incluindo cláusula de barreira e fidelidade partidária. Recentemente, o tribunal declarou, por unanimidade, a constitucionalidade da união homoafetiva, decisão que há muito se esperava do Congresso Nacional. Da mesma forma, supriu omissão do legislador quanto ao direito de greve dos funcionários públicos.
 

Com a instituição do efeito vinculante, das súmulas vinculantes e da repercussão geral, o Supremo ampliou a sua autoridade sobre todo judiciário brasileiro, bem como sobre os poderes legislativo e executivo, dada a amplitude pela qual pode confirmar ou rever os atos ? e omissões ? dos poderes representativos. E, em um sistema democrático constitucional como o nosso, nenhum poder deve ficar imune a controles de natureza social.
 

Considerando a importância de cada integrante do Supremo Tribunal Federal, não apenas pelo fato de que as decisões da corte se dão pela somatória de votos individuais, mas também pela enorme quantidade de decisões monocráticas tomadas todos os dias, é fundamental que as nomeações dos ministros sejam, de alguma forma, observadas mais de perto pela sociedade. Isso não significa propor um controle de ordem eleitoral, mas explorar alternativas para tornar o procedimento mais transparente e mais aberto à participação da sociedade e de suas organizações. Não se propõe, aqui, uma supressão das competências constitucionais conferidas à Presidência da República e ao Senado para a escolha dos Ministros do Supremo, mas uma ampliação da transparência deste processo.
 

Modelos adotados em outros países poderiam inspirar o Brasil. Em regimes parlamentaristas, a participação do legislativo é naturalmente mais intensa na nomeação dos membros das cortes constitucionais. No modelo norte americano, que nos inspirou, as sabatinas dos candidatos à Suprema Corte são rigorosíssimas, envolvendo audiências públicas no Senado preparadas com o apoio da academia e da sociedade civil. A Argentina, pós regime militar, estabeleceu um modelo de escolha dos ministros da Suprema Corte que merece nossa atenção. O início do processo se dá com a necessária publicação, no prazo máximo de trinta dias contados da vacância, no Diário Oficial, na internet e em pelo menos dois jornais de grande circulação, dos nomes e dos antecedentes dos candidatos que estão sendo considerados pelo poder executivo para a vaga. A sociedade civil, incluindo organizações não-governamentais, acadêmicos e associações profissionais, tem, assim, a oportunidade de enviar observações fundamentadas a respeito dos candidatos. Depois, no Senado, uma ampla divulgação também precede a audiência pública, abrindo-se a possibilidade de que os cidadãos enviem perguntas. Para além do procedimento, a legislação argentina também impõe que as nomeações atentem para diversidades regionais, equilíbrio de gênero e especialidade temática.
 

Se o Supremo tem ocupado novos espaços no cenário político institucional brasileiro, não faz sentido que a escolha de seus integrantes continue a seguir os mesmos ritos do passado. Mudanças institucionais importantes ocorreram com a Reforma do Judiciário, porém o mecanismo de nomeação de ministros ainda não sofreu qualquer alteração. A penúltima vaga aberta no Supremo Tribunal Federal demorou aproximadamente seis meses para ser ocupada ? demora excessiva que prejudicou, inclusive, o julgamento da Lei da Ficha Limpa. A ministra Ellen Gracie deixou o tribunal há mais de dois meses e não se sabe em quanto tempo a Presidente indicará um novo nome. No ano que vem, duas vagas deverão ser preenchidas com a aposentadoria dos ministros Ayres Britto e Cezar Peluso.
 

Temos hoje o privilégio de contar com inúmeras candidatas qualificadas à vaga da Ministra Ellen Gracie. Diversos setores da sociedade brasileira têm aproveitado o intervalo para fazer sugestões junto ao Ministério da Justiça e à Presidência da República por candidatos de suas preferências, nem sempre da maneira mais republicana. A reivindicação mais urgente que um grupo de organizações da sociedade civil tem feito, no entanto, é pela criação de um processo de nomeação mais aberto e transparente. Algo central à democracia brasileira hoje e em plena conformidade com o ethos da Constituição de 1988.
 

Oscar Vilhena Vieira, Diretor e Professor de Direito Constitucional da Direito GV-SP.
Flávia Annenberg, Advogada da Conectas Direitos Humanos.