Um breve balanço da Cúpula do BRICS

A Cúpula do BRICS teve seu ambiente favorecido pelo fato de o Brasil não ter conseguido se tornar membro da OCDE com o apoio dos EUA. Afinal, o Brasil mantém um superávit comercial com a China de US$30 bilhões

Institucional
18/11/2019
Evandro Menezes de Carvalho

A 11ª Cúpula do BRICS que se realizou no Brasil concluiu-se com uma sensação de alívio por ter cumprido um objetivo básico: manter o agrupamento dos cinco países em pé diante dos desafios internos e internacionais. Desde que Bolsonaro assumiu a presidência do Brasil, após uma campanha política marcada por uma retórica anticomunista e uma certa hostilidade em relação à China, a especulação sobre qual seria o futuro da relação Brasil-China e, também, do BRICS passou a ser frequente nos círculos políticos, empresariais e acadêmicos. Esta dúvida se acentuou quando, uma vez empossado presidente, Bolsonaro não escondeu a sua preferência por uma política externa alinhada aos EUA do Donald Trump ao ponto de querer nomear o seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, embaixador do Brasil em Washington. A aspiração do pai não logrou êxito diante das resistências de seus próprios aliados políticos.

A Cúpula do BRICS teve seu ambiente favorecido pelo fato de o Brasil não ter conseguido se tornar membro da OCDE com o apoio dos EUA – fato que desapontou o Bolsonaro. Foi aí que a realidade dos fatos começou a falar mais alto. Afinal, o Brasil mantém um superávit comercial com a China de US$30 bilhões, onde a soja, o minério de ferro e o petróleo correspondem a 80% das exportações brasileiras à China que não só é o maior comprador, mas também o maior investidor no Brasil.

E o gigante asiático dá sinais claros de querer continuar investindo. Às vésperas da 11ª Cúpula, a China foi o único país estrangeiro que participou do leilão do pré-sal. Duas petroleiras chinesas, as estatais CNOOC e CNODC, desembolsaram R$ 6,81 bilhões para ter 10% do campo de Búzios em consórcio com a Petrobrás que entrou com os 90% restantes. Além disso, o Presidente Xi sinalizou que poderá colocar à disposição do governo brasileiro mais de US$ 100 bilhões de cinco fundos estatais chineses para os projetos de infraestrutura no Brasil. Diante destas boas notícias, Bolsonaro foi pródigo nos afagos que fez à China. Em reunião com Xi Jinping no primeiro dia da Cúpula do BRICS, declarou que a China “faz parte do futuro do Brasil”.

A viagem que Bolsonaro fez à China semanas antes da Cúpula também colaborou para que o presidente brasileiro mudasse a sua atitude em relação à China e vencesse eventuais resistências de uma parte do seu eleitorado e equipe de governo mais aferrados à ideologia que o levou à vitória. Com o intuito de aplacar os ânimos destes apoiadores e para não parecer ser contraditório com o seu discurso político de campanha, Bolsonaro, ao desembarcar na China, disse: “Estou num país capitalista”.

É importante sublinhar que a  paciência e o esforço diplomático chinês, bem como as pressões do setor empresarial brasileiro sobre Bolsonaro fizeram com que a ponte da relação Brasil-China permanecesse aberta e desobstruída. A lição de que os países têm interesses e não ideologias parece ter sido assimilada pelo presidente brasileiro.

Mas e o BRICS?

A importância da China para o Brasil contrasta com a dos outros três sócios. Rússia, Índia e África do Sul somam apenas 3% do comércio brasileiro. E as cautelas diplomáticas para evitar os temas onde há dissenso político fizeram com que a declaração final da 11ª Cúpula fosse mais concisa se comparada às declarações das Cúpulas mais recentes, revelando, na forma, os limites políticos para o seu conteúdo.

O essencial que dá sentido ao BRICS foi mantido. A Declaração reafirma a continuidade da agenda reformista da ordem internacional ao reiterar que os países BRICS continuarão trabalhando para tornar o FMI, o Banco Mundial e a ONU “mais inclusivas, democráticas e representativas” com “maior participação dos mercados emergentes e de países em desenvolvimento nas tomadas de decisão internacionais”. Há menção à reforma do Conselho de Segurança da ONU. Porém, pela primeira vez desde a V Cúpula, não houve diálogos de outreach. Diferentemente da Cúpula de 2014, nenhum país sul-americano foi convidado, pondo em questão o espírito de maior abertura do BRICS e uma certa falta de liderança do Brasil em seu contexto regional. Bolsonaro tem assumido uma política externa que gera atritos com lideranças políticas da Venezuela e da Bolívia. Além disso, a relação dele com o presidente eleito na Argentina também não é boa desde quando declarou que o povo daquele país “escolheu mal” seu presidente. O Chile, por sua vez, vive uma crise política sem precedentes que dificultaria a presença do Sebastián Piñera.

Para além dos discursos diplomáticos que sempre procuram salvar as aparências, o fato é que esta Cúpula do BRICS não trouxe nenhuma nova iniciativa. Mas também não foi um total fracasso – o que, diante das circunstâncias internas e externas, já é um fato positivo. O interesse do Brasil era, sobretudo, na China. O peso econômico da China dentro do grupo é um fato inquestionável – o que aumenta a necessidade de se procurar aumentar a relevância de todos os sócios nas relações entre si. O comércio intra-BRICS é um tema prioritário, portanto. Há muito a ser feito e a segunda década do BRICS está só começando.

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.

Do mesmo autor

Autor(es)

  • Evandro Menezes de Carvalho

    Professor de direito internacional e coordenador do Centro de Estudos Brasil-China da FGV. Consultor do China Desk do Veirano Advogados. Doutor em Direito Internacional pela USP. Mestre em Integração Latino-americana pela UFSM. Bacharel em Direito pela UFPE. Foi professor visitante do Center for BRICS Studies da Fudan University e Senior Scholar da Shanghai University of Finance and Economics. Foi Presidente da Associação Brasileira de Ensino do Direito (ABEDi).

Artigos relacionados

Últimos artigos

Esse site usa cookies

Nosso website coleta informações do seu dispositivo e da sua navegação e utiliza tecnologias como cookies para armazená-las e permitir funcionalidades como: melhorar o funcionamento técnico das páginas, mensurar a audiência do website e oferecer produtos e serviços relevantes por meio de anúncios personalizados. Para mais informações, acesse o nosso Aviso de Cookies e o nosso Aviso de Privacidade.