Direito

Câmara aprova projeto que tipifica crime de injúria racial em locais públicos

Ligia Fabris, Elisa Costa Cruz, Gabriela de Brito Caruso

No dia 30 de novembro de 2021, mês da Consciência Negra, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 1.749/15, tipificando o crime de injúria racial cometido em locais públicos ou locais privados abertos ao público e de uso coletivo. O próximo passo é a votação no Senado.

O crime de injúria racial consiste na ofensa à honra de uma pessoa valendo-se de elementos de raça, etnia, religião ou origem e está previsto no Código Penal com pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa. O Projeto de Lei aprovado pela Câmara revoga o artigo do Código Penal e o insere na Lei n. 7.716/1989, acrescentando que o crime deve ter sido praticado em local público ou privado aberto ao público de uso coletivo. A justificativa para a nova redação do tipo penal é aumentar a punição, já que o crime ocorrido nesses locais tem maior potencial ofensivo, atingindo todo o grupo social que compartilha daquelas características. O processo não depende de requerimento da vítima e pode ser feito pelo Ministério Público.[1]

O Projeto, apresentado pela deputada Tia Eron (Republicanos-BA) e pelo ex-deputado Bebeto Galvão (PSB) em 2015, prevê pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa para a injúria racial quando praticada nesses locais. Fica enquadrado neste tipo a injúria quem faz uso de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Alterações na proposta original

O texto final aprovado foi redigido pelo Deputado Antônio Brito (PSD-BA), que foi o responsável por avaliar o Projeto de Lei na Comissão de Constituição de Justiça da Câmara. O relator propôs que as alterações valessem apenas para a Lei de Preconceito Racial, e não também para o Código Penal. Em seu parecer na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, o deputado justificou argumentando que havia “duplicidade de tipificação da mesma conduta”, isto é, o mesmo crime apareceria duas vezes, em leis diferentes (Código Penal e Lei de Injúria Racial) (Parecer CCJ, p.3). Dessa forma, se aprovada pelo Senado e sancionada pela Presidência da República, a qualificadora passará a ser prevista naquela considerada a lei mais específica, a de Preconceito Racial.

O relator também retirou, em seu texto substitutivo, a previsão expressa de que “o crime será processado mediante ação penal pública incondicionada”, isto é, sem necessidade de anuência da pessoa que sofreu o ato. A justificativa dessa retirada se deu na afirmação de que essa é a regra geral prevista do nosso ordenamento jurídico e também, portanto, de todos os crimes previstos na lei em questão, a Lei n. 7.716/89 (p. 4).

A lei não incluiu as redes sociais como lugar de incidência desse artigo, pois diminuiria a pena para o crime. Uma alteração de 2019 no Código Penal já previa uma pena maior para crimes contra honra cometidos ou divulgados em redes sociais. A aprovação do projeto de lei segue as recentes decisões do STF que equiparou os efeitos da injúria racial ao crime de racismo, tornando-o imprescritível, e avança no combate de práticas racistas.

De acordo com as professoras Ligia Fabris e Elisa Cruz, e com a pesquisadora Gabriela Caruso, da FGV Direito Rio, a aprovação da lei mantém em evidência a pauta antirracista, mas apontam que uma lei penal mais severa é insuficiente para trazer outros avanços contra o caráter estrutural do racismo. De acordo com Ligia Fabris “O aumento da pena prevista para um crime não inibe seu cometimento”.

A abordagem do direito penal tem um limite muito reduzido de atuação. Simbolicamente, o aumento da pena de injuria racial significa que a sociedade tem voltado sua atenção para a ocorrência desse crime e dado a ele a devida gravidade. Apesar disso, avia penal incide após o cometimento do crime, não sendo o instrumento mais adequado para inibir, desestimular ou remediar o acontecimento.

Sabendo que o racismo é parte estruturante da nossa sociedade, outras medidas no âmbito do direito civil e das políticas públicas podem e devem ser pensadas como meios de mitigar os efeitos do racismo, tanto no cotidiano de nossas vidas quanto na nossa organização social. Frequentemente a punição é o enquadramento mais utilizado quando pensamos na correção dos comportamentos que não desejamos em sociedade, mas não necessariamente esse viés se traduz em eficácia. O direito deve ser criativo e pensar não somente em como punir adequadamente um crime, mas como atuar na realidade para que esse crime não aconteça, ou ainda oferecer devida compensação a pessoa vitimada.


[1] Fonte: Agência Câmara de Notícias. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/833086-camara-aprova-projeto-que-tipifica-crime-de-injuria-racial-em-locais-publicos>, acesso em 02 de dezembro de 2021.

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Autores

  • Ligia Fabris
    Professora e Coordenadora do Programa Diversidade da Escola de Direito do Rio de Janeiro (FGV Direito Rio).  ver mais

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a), não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.