DeepSeek e concentração de Mercado
Na última semana, o lançamento de um aplicativo de inteligência artificial (IA) generativa da start-up chinesa DeepSeek teve grande repercussão. O chatbot mostrou ser capaz de atingir um nível de desempenho similar ao de aplicativos de empresas-líderes como OpenAI e Anthropic com um custo muito menor. Além disso, o modelo da DeepSeek é de código aberto, o que pode aumentar consideravelmente o acesso de empresas de médio e pequeno porte às novas tecnologias.
Isso motivou algumas reações entusiasmadas de economistas renomados como Olivier Blanchard, que declarou que esse evento é “provavelmente o maior choque de produtividade da história mundial” (tradução livre).
Embora exagerada, essa afirmação reflete a percepção por parte de muitos economistas de que a desaceleração do crescimento da produtividade nas economias avançadas desde meados dos anos 2000 está em grande parte associada ao aumento do grau de concentração de mercado.
Em setembro do ano passado comentei neste espaço (“O Paradoxo da Inovação”) uma edição recente da revista Finance and Development do FMI que abordou os efeitos da concentração sobre a produtividade. Uma das principais conclusões é que, à medida em que foram aumentando sua escala de produção, várias empresas mudaram seu foco da atividade de inovação para a proteção de sua posição de mercado, com consequências negativas para a produtividade.
Mesmo que as grandes empresas não atuem de forma deliberada no sentido de criar barreiras à entrada de novos competidores, é pouco provável que as novas tecnologias tenham efeitos significativos na produtividade agregada caso as inovações fiquem restritas a poucas empresas de grande porte.
Esse problema pode ser exacerbado no caso da IA generativa, que é muito intensiva em grandes bases de dados e exige enorme capacidade computacional para o treinamento dos LLMs (large language models). Isso, por sua vez, exige investimentos muito elevados, o que impede seu acesso por parte de um grande número de empresas.
Um artigo recente de Erik Brynjolfsson e Gabriel Unger (“The Macroeconomics of Artificial Intelligence”) discute dois cenários alternativos de concentração de mercado dependendo da forma como a IA seja utilizada na economia.
No cenário de aumento da concentração, somente as grandes empresas seriam capazes de fazer os investimentos necessários para a adoção de IA de forma intensiva na atividade produtiva. Esse uso da IA, por sua vez, permitiria que essas empresas se tornassem mais produtivas e ainda maiores em comparação com seus competidores.
Sob o ponto de vista macroeconômico, os ganhos de produtividade seriam modestos, na medida em que as novas tecnologias não se disseminariam para a grande maioria das empresas. Além disso, haveria aumento da desigualdade, já que somente os trabalhadores das grandes empresas se beneficiariam dos ganhos de produtividade na forma de salários mais elevados.
Por outro lado, no cenário de queda da concentração, modelos de código aberto se tornariam disponíveis de forma disseminada. Isso permitiria que empresas de menor porte tivessem acesso a ferramentas de IA avançadas, que viabilizariam ganhos substanciais de produtividade para uma grande parcela das empresas.
Modelos de IA de código aberto também podem ser mais facilmente customizados de forma a resolver problemas específicos de cada empresa, o que pode estimular um processo de inovação descentralizada em muitas empresas. Isso poderia reverter o processo de concentração que ocorreu nas últimas décadas.
Nesse cenário, os impactos macroeconômicos seriam consideravelmente mais positivos, com aumentos de produtividade expressivos e disseminados pela economia. Além disso, haveria redução da desigualdade, já que a maioria dos trabalhadores se beneficiaria dos ganhos de produtividade na forma de salários mais elevados.
Nesse sentido, o lançamento do novo LLM da DeepSeek é uma ótima notícia, já que revelou que é possível gerar modelos de IA de código aberto com alto desempenho e custo muito menor que os modelos proprietários existentes. Isso aumenta consideravelmente a probabilidade de que o cenário de menor concentração, aumento da produtividade e queda da desigualdade se materialize.
Estr artigo foi publicado originalmente no Blog do FGV IBRE.