Dimensões da criatividade: comunicação, tempo, espaço e método

A inovação se tornou uma premissa na gestão de organizações com ou sem fins lucrativos, e ela está ancorada em um elemento fundamental da vida humana: a criatividade.

Administração
30/04/2024
Fabio Josgrilberg

A inovação se tornou uma premissa na gestão de organizações com ou sem fins lucrativos. Os fatores que levam a processos inovativos são os mais diversos: novas tecnologias, demandas do mercado, necessidade de reinvenção em tempos de crise, diversificação de portfólio de produtos, dentre outras razões. No entanto, todos esses processos estão ancorados em um elemento fundamental da vida humana: criatividade.

Ser criativo é ter a capacidade de produzir algo novo que tenha valor social. Não se trata de negar a criatividade cotidiana que gera soluções adaptativamente ao ambiente em que vivemos da infância à vida adulta. Mas quero falar aqui da criatividade transformadora e reconhecida em sociedade – ela nasce da vida cotidiana, mas essa é uma conversa para outro momento. Em outras palavras, quero refletir aqui sobre a produção de soluções criativas para a sociedade, em particular no contexto das organizações com ou sem fins lucrativos.

Fluxos de Comunicação

A criatividade depende de quatro dimensões: fluxos de comunicação, tempo, espaço e método. Comecemos com os fluxos de comunicação: a capacidade criativa depende da diversidade de perspectivas sobre um determinado desafio. Para aumentar o horizonte de sentidos possíveis sobre uma solução, faz-se necessário explorar o mundo permanentemente.

Um exemplo prático: uma sessão de brainstorming não é um “toró de palpite”.

Antes de uma sessão de brainstorming, a equipe deve se preparar por meio de entrevistas com usuários ou clientes, diálogos com experts do assunto, fazer uma revisão de literatura em relatórios de mercados e artigos científicos, por exemplo.

Em resumo, intensifica-se o fluxo de comunicação para que novas ideias surjam.

A intensidade dos fluxos de comunicação internos e externos impactam diretamente a capacidade inovativa de uma empresa. Não adianta chamar as mesmas pessoas de sempre, com as mesmas informações de sempre, e esperar resultados inovadores. A curiosidade sobre o mundo e a incorporação de outras perspectivas são as forças motrizes da criatividade.

A dimensão do tempo

A segunda dimensão é o tempo. O tempo de uma ideia, por vezes, não é o tempo do planejamento. A história está repleta de artistas, cientistas e empreendedores que só foram reconhecidos muito tempo depois de terem desenvolvido suas obras ou produtos. Muitas vezes, o reconhecimento só veio após a morte desses indivíduos, tais como Van Gogh, Ignaz Semmelweis e outros tantos. Há ideias que nascem fora do seu tempo.

Outro aspecto importante sobre tempo é: qual o espaço da criatividade na sua agenda?

Se você não possui tempo para ter ideias, testá-las, aprender com os erros e melhorá-las, não há como ser criativo. É como um exercício físico: você precisa separar um tempo na sua agenda para se exercitar, escolher um local para isso, e mesmo usar ferramentas adequadas, um tênis que seja. Se não for assim, as consequências para a sua saúde podem ser terríveis. Além disso, não adianta pedir para outra pessoa fazer o exercício por você, não funciona. Com a criatividade se passa o mesmo.

A dimensão do espaço

A terceira dimensão que importa para a criatividade é o espaço. Aqui, falamos tanto de espaço físico quanto simbólico. Como assim? Um ambiente open office permite diferentes interações de comunicação entre as pessoas se comparado a um escritório organizado em baias, por exemplo. No entanto, muitas vezes precisamos de lugares individualizados, mesmo baias isoladas, para maior concentração e foco. A atividade criativa exige isolamento inúmeras vezes.

Os estímulos do espaço também importam. Não é raro termos os melhores insights quando estamos em locais diferentes do trabalho – andando pela rua, nos parques, no banho, etc. Isso ocorre porque quando estamos em outros lugares, recebendo diferentes estímulos, as associações que o cérebro faz são diferentes e, por vezes, mais livres. É nesse momento que vem o insight.

Mas somente o espaço não é suficiente.

Uma arquitetura que favoreça interações criativas trará resultados limitados se os processos de comunicação e a cultura organizacional não oferecerem a segurança psicológica necessária para propor coisas novas, errar, melhorar e seguir adiante.

Por essa razão, deve-se pensar também o espaço simbólico, o “espaço do possível”, por meio de acordos sobre o engajamento em atividades criativas.

Criatividade e método

Por último, criatividade exige um processo estruturado, uma disciplina própria. Não há obra prima que tenha nascido sem rascunhos, música sem versões preliminares em um único instrumento, descobertas científicas sem testes ou produtos de sucesso sem protótipos.

É a preocupação com a incorporação de mudança ao longo dos processos que, no mundo das organizações, nasceram os diversos frameworks ágeis como o Design Thinking para validação de ideias, Scrum para a gestão de projetos ou OKRs para alinhamentos estratégicos. Todos eles são frameworks que valorizam a incorporação de mudanças por meio da valorização de processos comunicacionais intensos e repetitivos – vide o famoso Manifesto Ágil de 2001.

Em resumo, a criatividade depende da diversidade de perspectivas sobre o mundo e de processos estruturados que permitam testar novas ideias, receber feedback, errar, melhorar a proposta e gerar valor social. Ser criativo depende da nossa capacidade para dedicar tempo ao agir criativo e, portanto, não é um atributo etéreo que somente alguns possuem.

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.

Autor(es)

  • Fabio Josgrilberg

    É Ph.D pelo FGVin - Centro de Inovação da FGV EAESP e professor do Mestrado Profissional em Inovação Corporativa da Escola.

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