Petrobras e o necessário ajuste na estratégia e cultura
A análise a seguir vai mostrar que esses investimentos cresceram muito no período: no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1999-2002), por exemplo, ficaram em tímidos US$ 2,8 bilhões; já nos oito anos sob Lula, subiram a impressionantes U$S 251 bilhões; Dilma e Temer se equivaleram (US$ 40 bilhões e US$ 43 bilhões, respectivamente); e Bolsonaro, no ano passado, investiu US$ 13 bilhões (a nova estratégia da estatal prevê também desinvestimentos entre US$ 20 bi e US$ 30 bi). A análise considera valores na moeda norte- -americana, aplicando a metodologia VEC-Valor Econômico Criado / Criação de Valor / EVA / VBM-Value Based Management.
Criação de Valor – VEC
Lucro não é valor e não é caixa, assim, Criar Valor ao Acionista é no mínimo manter e preservar seu Capital Investido. Significa superar a expectativa do Custo de Capital da Cia, ou seja, representa obter retorno sobre capital investido-ROIC superior ao custo de capital-WACC. Em resumo:
• VEC Positivo ou Índice VEC > 1 = ROIC > WACC = Criação de Valor
• VEC Negativo ou Índice VEC < 1 = ROIC < WACC = Destruição de Valor.
Em termos de estratégia: até aqui e a partir daqui
De 2006 a 2019, a estratégia da Petrobras esteve em constante mudança. No primeiro ano do intervalo considerado (na gestão Lula), o foco da Petrobras estava na expansão do refino no Brasil – o que agregaria valor à produção doméstica crescente. A previsão de retorno do capital investido era de 16%. Um ano depois, duas mudanças estruturais são feitas no plano estratégico: divisão por segmento (não mais por áreas de negócios); e foco em disciplina de capital, recursos humanos, responsabilidade social, mudança climática e tecnologia. Foram mantidas as metas agressivas de crescimento, de olho na exploração do pré-sal.
Em 2009, a Petrobras manteve o programa de investimentos – a estratégia corporativa então era expandir todos os negócios da companhia com base em crescimento integrado, rentabilidade e responsabilidade social e ambiental. Já no ano seguinte, começa a operação do pré-sal na baía de Santos: a estatal, querendo aumentar ainda mais seus investimentos para elevar produção e reservas de petróleo, gás natural e do pré-sal, capta R$ 115 bilhões, na maior oferta pública de ações já realizada no mundo.
Avançando até 2017, já durante a presidência de Michel Temer, a mudança de gestão na companhia levou à adoção de três novas estratégias: economia de baixo carbono; transformação digital; e gestão financeira e de riscos. O foco operacional estava em redução de acidentes e da dívida líquida da empresa, enquanto o foco de geração de valor teria 4 pilares: preços competitivos; eficiência de investimentos (Capex); eficiência de gastos operacionais (Opex); e programa de parcerias e desinvestimentos.
Chega 2019, primeiro da presidência de Jair Bolsonaro, e com o novo presidente vem uma nova estratégia – está com base em 5 pilares:
1. Maximizar retorno sobre o capital empregado;
2. Reduzir custo do capital;
3. Buscar incessantemente custos baixos;
4. Meritocracia e respeito às pessoas e ao meio ambiente;
5. Segurança das operações.
O Plano Estratégico 2020-2024 adicionou às metas um foco em EVA – métrica de criação de valor que permite identificar ineficiências e viabilizar melhorias na gestão, que também será usada para remunerar executivos. O Plano ainda prevê uma forte política de desinvestimentos, com concentração nos anos de 2020 e 2021.
Analisando a Petrobras
Agora olhe-se a produção, em mbpd (milhares de barris/dia): 1.812 em 2002; em 2010 foram 2.583; em 2015, sobe a 2.786; em 2018, recuo a 2.628; e no ano passado, sobe a 2.770. A produção nesses 20 anos cresce 53%; já os Investimentos/Capex aumentam 1.049%. Isso deixa evidente que o que houve nesse período foi uma excessiva destruição de valor na aplicação dos investimentos operacionais.
Veja-se ainda que de 2002 a 2010, a produção cresce 43%, enquanto o barril fica 218% mais caro e as vendas liquidas crescem 416%; de 2010 a 2016, há tombos na produção (-8%), no preço (-43%) e nas vendas (-33%); de 2016 a 2018, a produção cai 4%, o barril sobe 56% e as vendas caem 18%; e em 2019, a produção sobe 4%, o barril fica 8% mais barato – mas as vendas líquidas caem 20%.
QUADRO 1 - Produção, preço de barris e indicadores tradicionais de análise financeira: 2002 a 2019
No quadro 2 vemos a evolução desproporcional entre receitas e lucro operacional, se comparados ao expressivo crescimento dos Investimentos/Capex. Isso destaca as ineficiências dos investimentos efetuados. O giro do capital investido, de 1,6x em 2002, chegou a cair em 2010 a 0,6x e foi piorando (nos últimos 5 anos, gravitou em torno de 0,4x).
QUADRO 2 - Vendas, Investimentos, ROIC, Índice VEC e VEC - KPIs de Criação de Valor-VEC: 2002 a 2019
Consequentemente, o ROIC (retorno sobre capital investido, na sigla em inglês) caiu de 29,7% em 2003 para 3,3% em 2015. Já o índice VEC (que representa o quanto o ROIC supera o custo do capital-WACC), foi superior a 1,0x até 2007 – mas a partir de 2010 recua para 0,9x e desaba para 0,3x em 2015 (entre 2018 e 2019 sobe para 0,7x); os valores vistos desde então são negativos e o rombo cresce (em 2016 fica US$ 17,2 bilhões no vermelho).
Em 2019 a situação melhora (negativo em US$ 4,1 bilhões), mas, como se vê, ainda um pouco distante do patamar de criação de valor. No gráfico 1 apresenta-se o comportamento citado.
GRÁFICO 1 - Comportamentos: Capital Investido, Vendas Líquidas, NOPAT (LOLIR) e ROIC: 2002 a 2019
No quadro 3 vê-se que o endividamento oneroso passou de US$ 8,7 bilhões em 2002 a estrondosos US$ 126,2 bilhões em 2017 – alta de nada menos que 1.351% (no ano passado estava em US$ 63,3 bilhões). A relação entre endividamento líquido e EBITDA (lucro antes de juros, impostos e depreciações) subiu de 0,6x em 2007 a 4,6x em 2015 (ficando em 2,1x em 2019).
O valor de mercado das ações cresce de US$ 14,3 bilhões em 2002 para US$ 228,2 bilhões em 2010 – evolução de 1.497%. Entretanto, constata-se que em 2010 ocorreu a maior oferta pública de ações (OPA) realizada na história global até então, representando um expressivo aumento de capital de US$ 68 bilhões – mas em 2015, com as investigações da Lava Jato, o valor de mercado despenca para US$ 26 bilhões – reduzindo em 89%, restando só 11% do visto em 2010. Em 2019 o valor cresceu 25%, para US$ 101 bilhões.
O MVA (Valor Adicionado pelo Mercado, na sigla em inglês) também é uma métrica de criação de valor, que mede a expectativa do mercado. Foi positivo até 2010 – a partir de 2012, no entanto, entra no vermelho – chega a US$ 40,1 bilhões negativos em 2015. Em 2019, volta ao azul em US$ 24,5 bilhões.
QUADRO 3 - Endividamento, Endividamento Líquido/EBITDA, Valor das Ações, de Mercado e MVA
O gráfico 2 evidencia o comportamento dos indicadores de Criação de Valor no quadro anterior.
GRÁFICO 2 – Comportamentos: Valor de Mercado das Ações, MVA, Patrimônio Líquido e Endividamento Oneroso
Peers globais comparadas com a Petrobras
Essa análise considera a comportamento histórico de 2002 a 2019 da Petrobras com as peers globais, British Petroleum, Chevron, Exxon e Shell.
O quadro 4 mostra a análise do comportamento das vendas líquidas das peers globais comparadas com o da Petrobras. Percebe-se que esta, embora grande, não demonstra o mesmo nível de vendas da concorrência:
• A Petrobras no período apresenta evolução maior: crescimento de 229%, contra 68% (em média) das globais; GRÁFICO 2 – Comportamentos: Valor de Mercado das Ações, MVA, Patrimônio Líquido e Endividamento Oneroso
• A partir de 2015, com a queda do preço do barril, o setor como um todo teve queda acentuada nas vendas (em 2016 o nível foi o mais baixo desde 2002);
• Em 2018, porém, observa-se retomada das receitas no setor como um todo. As peers cresceram em média 32% em 2018, na comparação com 2015. Na Petrobras, no mesmo período, o que se vê é estabilidade, não crescimento;
• Em 2019, nova queda do preço do barril puxa nova queda de receitas – mas enquanto nas peers esta foi de 8% sobre 2018, na Petrobras foi de 20%.
QUADRO 4 - Vendas Líquidas: Peers Globais comparadas com Petrobras - em US$ bilhões
No quadro 5 vemos que a produtividade demonstrada pela Petrobras, principalmente entre 2009 e 2012, é muito baixa – de fato, é a empresa menos eficiente entre as peers.
No giro do capital investido, as peers sempre apresentaram (em média) desempenho superior a 1,0x (exceto por 2016), enquanto o da Petrobras circunda o 0,5x desde 2010.
QUADRO 5 – Giro de Capital Investido: Peers Globais comparadas com Petrobras
O quadro 6 mostra que é significativo o nível superior de margem operacional apresentada pela Petrobras: 21% entre 2018 e 2019 – contra 7,3% na média global em 2019. Contudo, embora a estatal tenha vantagem nesse indicador, a relevante ineficiência dos investimentos operacionais não permite melhorar os resultados da operação.
QUADRO 6 – Margem Operacional: Peers Globais comparadas com Petrobras
No quadro 7 evidencia-se o comportamento do ROIC das peers comparados com a Petrobras:
• A Petrobras somente em 2002 e 2003 conseguiu ROIC elevado e superior as peers. Embora o Relatório Anual de 2006 definia o retorno sobre o capital investido previsto para os próximos anos de 16%, essa meta só foi alcançada em um único ano, em 2007;
• A partir de 2007, o distanciamento da Petrobras em relação às peers fica evidente, motivado principalmente pelo considerável valor dos investimentos ao longo do período (item 2.1 do quadro 2). Constata-se a gritante diminuição para 4,8% em 2012, a redução para 3,3% em 2015 e de 3,7% em 2016;
• Com a baixa do preço do barril de petróleo, o ROIC do setor foi muito baixo nos anos de 2015 e 2016, entretanto, as empresas globais conseguem iniciar uma recuperação rápida, já em 2018.
QUADRO 7 – ROIC – Retorno do Capital Investido: Peers Globais comparadas com Petrobras - em (%)
O quadro 8 mostra o valor do FCF (Fluxo de Caixa Livre): os valores projetados destes comportamentos definem o Valuation, o quanto vale uma empresa no mercado, dado que os fluxos de caixa da operação representam as expectativas quanto à evolução das futuras atividades operacionais. Os valores foram reunidos em dois períodos comparativos: o primeiro de 2002 a 2014; e de 2015 até 2019. O que se vê é:
• Entre 2002 e 2014, o comportamento de FCF da Petrobras é o pior dentre todas empresas. Isso mais uma vez evidencia o impacto e confirma a ineficiência dos investimentos operacionais efetuados;
• Já entre 2015 a 2019, o FCF da Petrobras é o maior dentre as peers – resultado já dá maior austeridade na política de investimentos da companhia (principalmente após a operação Lava-Jato).
QUADRO 8 – FCF Acumulado nos períodos: Peers Globais comparadas com Petrobras - em US$ bilhões
No quadro 9, vemos o comportamento do Índice VEC das peers comparado com o da Petrobras. Lembrando que o índice VEC demonstra a criação de valor da empresa, ou seja, quando seu valor é superior a 1,0x, a empresa cria valor. Sendo assim:
• A diminuição do Índice VEC da Petrobras a partir de 2007 em relação às peers fica evidente – motivado principalmente pelo representativo valor dos investimentos operacionais iniciados em 2003;
• A Petrobras criou valor até 2010, quando seu índice VEC ainda é superior a 1,0x – mas ele já vem em declínio em relação a anos anteriores, dados os expressivos investimentos feitos de 2003 a 2010 (US$ 251 bilhões);
• O que se vê é a destruição de valor para a Petrobras – reflexo da improdutividade e da falta de crescimento dos resultados operacionais compatíveis e proporcionais. Esses fatores explicam o giro do capital investido ser inferior a 1,0x desde 2009, mais a incapacidade de remunerar o capital investido. Desde então, o índice VEC® sempre foi inferior a 1,0x;
• De novo, destacam-se negativamente 2015 e 2016, devido à queda do preço do barril (nesse período, o setor teve os piores níveis já registrados no índice VEC);
• A nova queda do preço do barril de petróleo em 2019 teve impacto negativo nas empresas globais, com o índice VEC do setor caindo de 1,5x para 1,0x. A Petrobras, no entanto, mantém o seu em 0,7x em 2018 e 2019.
QUADRO 9 – Índice VEC - Peers Globais comparadas com a Petrobras
O comportamento do valor de mercado das peers globais com a Petrobras fica evidente no quadro 10:
• Como já vimos, o valor de mercado das ações da Petrobrás cresce de US$ 14,3 bilhões em 2002 para US$ 228,2 bilhões em 2010, evoluindo 1.497%. No mesmo período a média do mercado foi de um crescimento de 46%;
• Em 2015, devido aos escândalos de corrupção envolvendo a empresa, à queda do preço do petróleo e a forte variação cambial (47% em 2015), esse valor de mercado cai para U$S 26 bilhões (recuo de 89% em relação a 2010);
• O mercado internacional também foi afetado naquele ano – mas a desproporção em relação à Petrobras é espantosa: o valor médio das peers sofreu redução de 15% em 2015 (frente a 2010);
• O período de 2016 a 2019 é turbulento para o setor: no geral, houve crescimento nos valores de mercado das empresas, com pequenas oscilações – mas as incertezas quanto ao preço do barril levaram desconfiança aos mercados;
• Em 2019 o valor de mercado da Petrobras reagiu, apresentando a maior valorização dentre as peers: crescimento de 25% - contra 2% (em média) das concorrentes globais.
O VEC - Criação de Valor mostra como os Investimentos/Capex levaram a destruição da riqueza da Petrobras, e pode ser a chave para ajustar o foco de seu novo planejamento estratégico.
A Petrobras fez investimentos expressivos nos últimos 20 anos, mas que não se traduziram em um aumento equivalente de produção e resultados. Com isso, as peers globais - British Petroleum, Chevron, Exxon Mobil e Shell - deixaram a estatal brasileira para trás.
A partir do novo planejamento estratégico de 2020 a 2024, com a inclusão da metodologia de gestão EVA, o desafio à frente da Petrobras agora, é cumprir as metas estabelecidas e melhorar seus resultados, potencializando a criação de valor. No entanto, o cenário da crise da pandemia da Covid19 e a queda do preço do petróleo em 2020, irão impactar negativamente seus resultados em 2020.
QUADRO 10 - Valor de Mercado das Ações das Empresas: Peers Globais comparadas com Petrobras - em US$ bilhões
Para isso, uma saída é aprofundar o uso dos conceitos da Criação de Valor-EVA/VEC, que tornarão mais claros e definidos os drivers de valor da Cia. Com isso, o ROIC poderá voltar a ficar acima do custo de capital de forma mais rápida. Melhorando seus resultados operacionais e redirecionando investimentos mirando na melhora dos retornos econômicos, a empresa poderá realizar, por assim dizer, mais com menos.
Com foco na Criação de Valor, a Petrobras, além de aumentar o valor de mercado, proporcionará uma transformação relevante na cultura e gestão da companhia. Pode vir a ser um benchmark nacional e global.
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