O trabalho remoto está morto, vida longa ao trabalho híbrido
Embora a adoção de trabalho remoto exclusivo pareça estar diminuindo a curto prazo, o uso do trabalho remoto continuará a prevalecer, e consequentemente as modalidades de trabalho híbrido serão a única realidade para muitos funcionários com capacidade remota nos próximos anos.
“O home office vai acabar? No pós-pandemia, empresas começam a questionar modelo.”
“Levantamento mostra que trabalho híbrido e remoto despencou no ano passado em relação aos dois primeiros anos da pandemia.”
“It's the end of a remote work era, as employers call their employees back into offices — and workers see their power dwindling.”
Com crescente frequência, manchetes surgem como as colocadas acima, questionando a perenidade do modelo de trabalho híbrido baseado numa maior intensidade em trabalho remoto. Nos anos recentes havia se criado uma expectativa de que, mesmo se não se consolidasse o modelo remoto integral para todos, o trabalho híbrido – nomeadamente no modelo TQQ: terças, quartas e quintas no escritório e o restante da semana em casa – iria tornar-se a realidade das novas relações de trabalho para uma larga maioria de colaboradores.
Contudo a prática destes últimos meses pós-pandêmicos parece ser outra, e pesquisas apontam para um fenômeno que vai além de certas empresas tecnológicas emblemáticas como Meta e Twitter que têm pedido um retorno do modelo presencial em capacidade integral. Assim, no Brasil, em 2022, a proporção de trabalho presencial cresceu de 27% para 45%. Ao mesmo tempo, o trabalho totalmente remoto caiu pela metade e agora só 12% dos profissionais estão 100% em home office. Nos Estados-Unidos, de acordo com um relatório recente do Bureau of Labor Statistics, 72,5% dos estabelecimentos do setor privado pesquisados de 1 de agosto a 30 de setembro de 2022 tinham pouco ou nenhum teletrabalho. Mundialmente, 44% das empresas declaram não adotar o trabalho remoto em nenhuma medida.
Embora a adoção de trabalho remoto exclusivo pareça estar diminuindo a curto prazo, o uso do trabalho remoto continuará a prevalecer, e consequentemente as modalidades de trabalho híbrido serão a única realidade para muitos funcionários com capacidade remota nos próximos anos. Então, como reconciliar estas perspectivas aparentemente distantes? Qual combinação de trabalho remoto e presencial garante alta produtividade e criatividade, fortes laços sociais e uma cultura organizacional durável?
Apesar de claras vantagens, o trabalho remoto evidencia importantes tensões organizacionais
Uma pesquisa realizada com executivos e colaboradores em fevereiro de 2022 comparou as diferentes configurações adotadas nas empresas e as opiniões dos profissionais em relação ao home office. Os benefícios listados incluem em ordem de relevância a anulação do tempo de deslocamento, a flexibilidade e o maior tempo com a família. Em particular, estudos no contexto norte-americano mostraram que a economia de tempo foi alocada em 35% para o trabalho principal, 30% em cuidados com os filhos, lazer ao ar livre e trabalho no segundo emprego, e 18% em lazer interno, incluindo ler e assistir TV ou filmes. Para as organizações, a contratação de trabalhadores remotos não resulta apenas em economia tanto imobiliária como despesas gerais, ela permite uma gestão mais estratégica do seu capital humano: expande o pool de contratação de talentos locais para nacionais ou internacionais, sem a necessidade de realocação; aumenta a atratividade e capacidade de retenção para os chamados altos potenciais, já que, segundo a Gallup, 60% dos funcionários que atualmente trabalham exclusivamente em casa e 29% dos trabalhadores híbridos disseram que provavelmente procurariam outro emprego se perdessem o beneficio da flexibilidade. Apesar destes benefícios, existem...
... tensões nas preferências individuais
Estudos revelam que tanto colaboradores como líderes apontam sua preferência pelo regime híbrido. Entretanto, o ponto de fricção se encontra na configuração ideal entre trabalho remoto e trabalho no escritório. Enquanto os colaboradores privilegiam o regime híbrido com 1 ou 2 dias no escritório, os líderes são favoráveis ao regime híbrido com 3 ou mais dias no escritório. Aprofundando o tema das preferencias por gênero e geração, é notável que: as mulheres tendem a preferir os modelos mais remotos de trabalho, como home office integral e regimes híbridos com apenas 1 ou 2 dias presenciais na semana; os mais jovens são os que mais preferem regimes totalmente remotos (64% geração Z, 28% geração Y, 22% geração X e 20% baby boomers).
... tensões na organização do trabalho
O trabalho remoto mudou fundamentalmente a forma como os funcionários se organizam e interagem para executar suas tarefas, trazendo à tona novas questões.
Primeiro, um estudo recente internacional mostrou que a modalidade de trabalho remoto reduziu as horas trabalhadas em cerca de 80 minutos nos dias de casa, mas aumentou nos outros dias de trabalho (no escritório) e no fim de semana em cerca de 30 minutos no total, destacando como o trabalho em casa altera a estrutura da semana de trabalho.
Segundo, estudos descobriram que as reuniões aumentaram constantemente em frequência – reuniões com a presença de um trabalhador em média aumentaram 13,5% – e duração desde que as empresas fizeram a transição para o local de trabalho remoto. Qual é o impacto? Cerca de 70% de todas as reuniões impedem os funcionários de trabalhar e concluir todas as suas tarefas.
Por fim, os trabalhadores perceberam que a semana geralmente é composta por trabalhos independentes com colaboração assíncrona e trabalhos colaborativos mais focado. Se é notável que cada tipo de trabalho é desempenhado de forma mais produtiva no escritório ou remotamente, devido a heterogeneidade de atividades e funções, é pouco expectável que seja encontrado um padrão discernível para quais os dias (ou o número de dias) no escritório que maximizem os resultados positivos.
… tensões nos resultados individuais e organizacionais
Apesar da percepção geral de que o trabalho híbrido é benéfico para os trabalhadores, a literatura acadêmica ainda é inconclusiva e sublinha a natureza paradoxal dos impactos da flexibilidade. Estudos mostram que trabalhadores remotos desfrutam de maior autonomia no gerenciamento de sua agenda e tendem a relatar maiores níveis de satisfação do que seus colegas do escritório, com resultados positivos como redução do estresse e menos conflitos entre vida profissional e pessoal. Outros, também relatam que a prática está ligada a um melhor desempenho e produtividade no trabalho, bem como melhores avaliações de desempenho por parte dos supervisores.
Mas, outros estudos – inclusive realizados durante a pandemia – também revelam que os teletrabalhadores de alta intensidade lutam para se desconectar fora do horário de trabalho, o que induz estresse e exaustão, e maiores intenções de se demitir. Isso é amplificado pelo uso intensivo da videoconferência e suas consequências – tais como uma maior carga cognitiva, menor socialização, e a falta de atividade física –, que deram origem à chamada fadiga do zoom. No nível organizacional, um estudo analisou dados de mais de 60.000 colaboradores da Microsoft durante um período de seis meses, começando pouco antes do início da pandemia, e evidenciou efeitos potencialmente negativos do trabalho remoto na colaboração, inovação e produção.
O problema não é o problema, é a maneira como pensamos o problema
Analisamos brevemente os possíveis benefícios e desvantagens em conceder aos funcionários maior flexibilidade em suas formas de trabalhar no tocante a impactos para os resultados das organizações ou para a experiência dos funcionários. Embora a maioria dos fatores aponte para um modelo de trabalho híbrido como o futuro do trabalho, o foco exclusivo de muitos líderes e suas organizações em encontrar o equilíbrio certo entre o trabalho local e externo pode ser vão. Os arranjos de trabalho modernos desafiam as noções existentes sobre onde o trabalho ocorre, como é feito, quem o faz e até mesmo o que é trabalho. Assim, as organizações precisam de uma estratégia assertiva de trabalho remoto de longo prazo para criar uma vantagem competitiva e, ao mesmo tempo, apoiar os funcionários a enfrentar os efeitos potencialmente adversos. Aqui estão três direcionamentos a serem considerados ao criar suas melhores práticas de modelo de trabalho híbrido:
A função está pronta para trabalho remoto?
Empresas em certas indústrias são mais propensas a ter seus trabalhadores teletrabalhando raramente ou nunca (como o setor de acomodação e serviços de alimentação e o setor de recursos naturais e mineração) em comparação com outras indústrias (por exemplo, tecnologia, serviços profissionais). Uma vez que o mesmo acontece para certas funções, verifique que: a) os funcionários remotos podem desempenhar suas funções fora de um ambiente de trabalho no local, b) os funcionários possuem as ferramentas e os equipamentos necessários para o melhor desempenho enquanto trabalham remotamente, c) a maioria das tarefas e dos processos da função são bem definidos, d) as expectativas, pontos de contatos e de suporte, e metas são claramente acordadas com os gestores diretos, e) o sucesso da função não depende de um trabalho altamente interdependente.
Quais são os impulsionadores de produtividade principais das atividades críticas/funções-chave do seu negócio e como eles são impactados pelos arranjos de trabalho?
Para determinar o grau adequado de flexibilidade (temporal e geográfica) na sua empresa, é fundamental considerar como o trabalho é realizado e quais os fatores que mais afetam a produtividade dos trabalhadores em determinadas atividades, por exemplo identificando necessidades de energia, foco, coordenação ou cooperação. Em seguida, considere como esses motivadores serão afetados por mudanças nos arranjos de trabalho ao longo dos eixos de tempo (quando o trabalho pode ser realizado, ou flexibilidade temporal) e local (onde o trabalho é executado, ou flexibilidade geográfica). Assim, para um gerente de equipes, o motivador crítico da produtividade é a coordenação. O eixo com maior influência é o tempo – síncrono –, para interagir com os demais membros da equipe. Se isso for atendido, o local se torna menos crítico deixando a possibilidade de uma atuação principalmente remota para os gerentes. Por outro lado, para um inovador de produto/serviço, o fator crítico de produtividade é a cooperação. Tanto o eixo local de trabalho quanto o eixo tempo são importantes. Este tipo de cooperação é promovido de forma mais eficaz em um local compartilhado (na maioria dos casos, no escritório) e tarefas cooperativas devem ser principalmente síncronas (seguindo principalmente o horário laboral legal).
As suas práticas de gestão de pessoas estão prontas para uma experiencia de “personalização em massa”?
Um número crescente de empresas renunciou a algum controle, negociou acordos e mediu a performance mais a partir das entregas e menos do controle de tempo e mais geralmente, reforçou suas práticas de gestão. Isso é fundamental porque o trabalho híbrido e remoto exige que gerentes e líderes se afastem do microgerenciamento e do gerenciamento passivo. No entanto, eles ainda precisam garantir que seus liderados remotos e híbridos (individual e coletivamente) estejam entregando um trabalho de qualidade e pontual. Mais do que nunca, isso requer revisitar as práticas de gestão para que cada indivíduo se sinta estimulado a ir além das expectativas, dos esforços e competências para levar adiante a missão da organização, abrindo caminho para o aumento da produtividade. As seguintes perguntas podem apoiar cada gestor a avaliar a maturidade de suas práticas de gestão:
Quanto você conhece seus liderados como indivíduos? Quanto você adapta seu estilo de liderança de acordo com os fatores que os motivam? Como suas equipes se sentem em relação a como você avalia o trabalho e os resultados de forma remota? Suas equipes se sentem bem alinhadas com as atividades da sua empresa? Como você avalia o desempenho de suas equipes no regime de trabalho remoto? Como você considera sua liderança no regime de trabalho remoto? Como você expressa gratidão informalmente? Você mantém conversas significativas regulares e frequentes com cada liderado sobre metas, clientes, bem-estar e reconhecimento?
Por fim, se todas as preferências não podem ser atendidas simultaneamente, a ambição é tender para a maximização das preferencias de todos e da melhor maneira possível. Assim, é útil lembrar do conceito de marketing de mass customization, visando a moldar o produto/serviço para as necessidades e desejos individuais de cada cliente. A chave do sucesso é considerar mass customization como um processo de alinhamento de uma organização com as necessidades de seus clientes. No campo das relações empregadores – colaboradores, o dono deste processo precisa ser o gestor e/ou líder de gestão de pessoas para garantir maior efetividade na implementação. Evidências mostram que a aplicação de determinada prática de gestão idiossincrática por parte dos gestores, dependendo de sua discrição, é muitas vezes irregular e também corre o risco de criar percepções de injustiça processual e distributiva considerando a empresa como um todo.
Em última análise, não existe uma resposta única! A flexibilidade nas modalidades de trabalho deverá se adequar as necessidades das empresas e dos trabalhadores. Necessidades de contato social e de preservação da cultura de empresa, conciliar demandas presenciais e objetivos individuais, busca pela produtividade em equilíbrio com a saúde mental são características criticas, no meio de muitas outras, da nova realidade do trabalho. As empresas que dominarem este cenário, melhor gerirem eventuais tensões e preservarem seu capital humano, serão, com certeza, as líderes do mercado no futuro.
*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.
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