Dia Internacional dos Povos Indígenas exalta o combate ao preconceito e às histórias silenciadas
“Esse dia lembra uma nação a combater o preconceito, o racismo e também a não matar e silenciar nossas histórias, as histórias que vêm da força da nossa ancestralidade, pois somos a resistência", relata Andressa Apinajé, indígena e aluna do FGV CPDOC.

“Esse dia lembra uma nação a combater o preconceito, o racismo e também a não matar e silenciar nossas histórias, que vêm da força da nossa ancestralidade, pois somos a resistência, disse Andressa Apinajé, aluna do curso de Mestrado Profissional em Bens Culturais e Projetos Sociais da Escola de Ciências Sociais (FGV CPDOC). É sobre este legado do Dia Internacional dos Povos Indígenas até hoje que o FGV Notícias busca entender, por meio de uma entrevista da aluna, juntamente com Celso Castro, diretor da Escola, de que forma essas intercessões sociais se concretizam.
Hoje, 19 de abril, Andressa relata a conquista de uma luta pelo reconhecimento da valorização dos nossos saberes tradicionais, respeitando as culturas e línguas maternas e garantindo a preservação dos direitos enquanto povos originários. “Esse dia lembra uma nação a combater o preconceito, o racismo e também a não matar e silenciar nossas histórias, as histórias que vêm da força da nossa ancestralidade, pois somos a resistência. Enquanto nós, povos originários, existirmos, seremos o canto da força, do maracá, o som da liberdade, do preto do jenipapo, do vermelho do urucum, seremos as cores da resistência e da língua materna, a nossa essência. Finalizo dizendo que enquanto houver cultura, haverá resistência, enquanto houver força no canto e na dança, haverá esperança, pois essa é a nossa única arma”, ressaltou.
Andressa participa do projeto “Patrimônio documental indígena: trabalho colaborativo entre o FGV CPDOC e o Povo Apinajé” que surgiu após a realização de uma entrevista de história oral que o diretor fez no final de 2021 com o antropólogo Roberto DaMatta. A partir da entrevista, surgiu a possibilidade de o FGV CPDOC receber seu arquivo pessoal.
Mudança: Dia do Índio para Dia dos Povos Indígenas
De acordo com Celso Castro, diretor do FGV CPDOC, o dia 19 de abril foi instituído como "Día Americano del Índio" no “Primer Congreso Indigenista Interamericano” celebrado em 1940 no México, com representantes de 19 países, inclusive o Brasil, e de vários povos originários. No Brasil, o "Dia do Índio" foi oficialmente instituído pelo Decreto-lei 5.540, de 2 de junho de 1943. Também foi nessa data que, em 1953, se inaugurou, no Brasil, o Museu do Índio.
Foi oficializada uma lei em 2022, trocando a nomenclatura de Dia do Índio para Dia dos Povos Indígenas. Em 2022, a Lei 14.402, de 8 de julho, revogou o decreto de 1943 e instituiu em seu lugar o "Dia dos Povos Indígenas", também a ser comemorado no dia 19 de abril. Com isso, embora mantendo a data histórica, atualizou-se o nome da comemoração, adequando-a a uma perspectiva menos estereotipada - que está na origem da palavra "índio", um engano dos navegantes europeus que, no início do século XVI haviam pensado chegar às Índias - por "indígenas", palavra mais adequada para se referir aos povos que já habitavam as Américas antes da chegada dos europeus.
Sobre o Projeto “Patrimônio documental indígena”
O projeto surgiu após a realização de uma entrevista de história oral que fiz no final de 2021 com o antropólogo Roberto DaMatta. A partir da entrevista, surgiu a possibilidade de recebermos seu arquivo pessoal. Ele tinha, na época, 85 anos e achou que era hora de dar um destino aos documentos que acumulara em sua trajetória acadêmica. Já conhecia o trabalho do FGV CPDOC e recebeu o incentivo de outras pessoas que conheciam ou mesmo haviam doado seus arquivos à instituição. Quando seu arquivo pessoal foi doado ao FGV CPDOC, em 2022, notou-se que ele incluía muitas fotografias tiradas por DaMatta durante suas temporadas de pesquisa etnográfica entre os indígenas Apinajé, durante 1962 e 1970, para sua tese de doutorado. São cerca de 3.000 fotos, além de dezenas de gravações em fitas cassete e ao menos um filme Super-8 feito pelo antropólogo. Foi a partir daí que se deu a colaboração dos próprios Apinajé para a organização desse material.
Confira abaixo a entrevista completa.
Como está atualmente o desenvolvimento do Projeto?
Celso Castro - Está se desenvolvendo de forma muito intensa e gratificante, tanto para nós quanto para os Apinajé. O conhecimento do material que recebemos no arquivo, assim como a ideia de um trabalho colaborativo, foram, desde o início, entusiasticamente saudadas pelos indígenas. Trata-se de organizar um riquíssimo patrimônio histórico-cultural do povo Apinajé, e eles também viram na colaboração com a FGV uma oportunidade excepcional para terem uma história de seu povo contada pelos próprios Apinajé, conduzindo a um maior reconhecimento e valorização de sua cultura.
Qual a importância para a Escola em desenvolver um Projeto como esse?
Celso Castro - É um enorme aprendizado, em muitos sentidos. Temos, é claro, a experiência de organizarmos de forma colaborativa um rico acervo, tendo que estabelecer entendimentos comuns, mas também preservar lógicas distintas para a organização desse acervo. Além disso, com o projeto, incluímos três alunos Apinajé em nosso Mestrado Profissional em Bens Culturais e Projetos Sociais do FGV CPDOC, para se dedicarem ao projeto. Também oferecemos, no segundo semestre de 2023, um curso sobre “Língua, Cultura e Sociedade Apinajé” oferecido para nossos alunos de graduação e pós-graduação por dois professores indígenas. Finalmente, promovemos o retorno de Roberto DaMatta à terra Apinajé, após 45 anos. Foi um (re)encontro emocionante, e sobre ele acabamos de produzir um documentário de cerca de uma hora. Nessa visita, eu fui também nominado (“batizado”) com o nome de Pẽpnhõrik, passando a ser considerado parte da família Apinajé. Retornaremos às aldeias agora no final de maio de 2024, e um importante evento ritual lá ocorrerá. Enfim, posso dizer que o projeto tem sido muito inovador e um grande aprendizado institucional, integrando as três atividades do FGV CPDOC: pesquisa, documentação e ensino.
Como aluna do curso de Mestrado Profissional em Bens Culturais e Projetos Sociais, como está sendo a sua experiência?
Andressa Apinajé – Ser aluna do FGV CPDOC no curso de Mestrado Profissional em Bens Culturais e Projetos Sociais está sendo uma experiência única, pois o curso está me possibilitando novos conhecimentos e novas oportunidades de aprendizagem dentro do campo de pesquisa. O curso todo está me preparando cada vez para uma qualificação positiva dentro de seus requisitos e claro não posso deixar de mencionar os professores do programa e toda a equipe do FGV CPDOC pelo comprometimento e responsabilidade de contribuir com seus conhecimentos.
Você gostaria de destacar algum ponto do curso?
Andressa Apinajé – Não posso deixar também de mencionar uma pessoa extremamente importante, o professor Celso Castro (Pẽpnhõrik, para os Apinajé), que nos deu o início a esta grande oportunidade acontecer, e que nos fez capazes de acreditar que ainda podemos manter dentro de suas tecnologias raízes e histórias vivas de nosso povo Panhĩ Apinajé.
Quero aqui também destacar a minha gratidão ao FGV CPDOC da FGV pelo respeito e acolhimento ao nosso povo Panhĩ Apinajé, pelo reconhecimento ao receber a placa de honra da instituição, e ter a oportunidade de ser colaboradora do projeto “Patrimônio documental indígena: trabalho colaborativo entre o FGV CPDOC e o Povo Apinajé”, ter conhecido a Casa Acervo onde está todo o arquivo do povo Panhĩ Apinajé e, claro, ter o encontro que todo o povo Panhĩ Apinajé esperava: o encontro com o antropólogo Roberto DaMatta (Tekator), proporcionado pela Escola. Por fim, ter uma experiência única de trabalho dentro da FGV no curso de graduação de Ciências Sociais, ministrando a disciplina “Língua, Cultura e Sociedade Panhĩ/Apinajé.”
Para saber mais sobre o FGV CPDOC, acesse o site.
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