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Manifestações de 2013 e 2014: como o Estado utilizou a justiça criminal para silenciar protestos

O estudo integra uma análise mais ampla sobre o controle de manifestações públicas e busca compreender como essas práticas influenciam a liberdade de expressão e a participação política no país.

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Manifestações de 2013 e 2014: como o Estado utilizou a justiça criminal para silenciar protestos

Nos anos de 2013 e 2014, o Brasil viu suas ruas tomadas por protestos sociais históricos, seguidos por uma repressão intensa e  sistemática do Estado. Em sua pesquisa de mestrado, Sofia Rolim, mestre e atualmente doutoranda da Escola de Direito de São Paulo (FGV Direito SP), analisou como o sistema jurídico foi mobilizado para desarticular manifestações, com destaque para o caso dos “23 presos da Copa” no Rio de Janeiro.

Em sua análise, Sofia destacou o caso emblemático dos “23 presos da Copa”, no Rio de Janeiro, evidenciando como o sistema jurídico utilizou acusações de associação criminosa e práticas repressivas — muitas delas com origem na ditadura militar — para desarticular as mobilizações sociais.

A pesquisa revela táticas que investem na incapacitação estratégica dos manifestantes, buscando evitar que o protesto ocorra ou que determinadas pessoas participem dele, e a construção de narrativas que buscam legitimar a repressão. Ao mesmo tempo, os atores estatais deixam de fora do debate o tema da violência policial. Segundo Sofia, essa abordagem enfraquece o espaço cívico e gera impactos negativos para a democracia brasileira.

O estudo integra uma análise mais ampla sobre o controle de manifestações públicas e busca compreender como essas práticas influenciam a liberdade de expressão e a participação política no país.

 
Leia a entrevista completa abaixo:

 

O seu objeto de pesquisa gira em torno de como as ferramentas jurídicas foram mobilizadas pelo Estado para reprimir mobilizações sociais, particularmente protestos de rua naquele contexto de junho de 2013 e 2014. falar mais sobre ele?

Em 2013, protestos massificados ao redor do país marcaram o início de um ciclo de protestos, que desencadeou diferentes manifestações de repressão estatal. Uma das formas de repressão, envolvendo diversos atores do sistema de justiça criminal, foi a criminalização de manifestantes. 

Minha pesquisa de mestrado realizou um estudo de caso sobre o processo de criminalização dos “23 presos da Copa”, no qual um grupo de manifestantes no Rio de Janeiro foi investigado e condenado em 1º grau pelo crime de associação criminosa, em um processo marcado por arbitrariedades.

Quais os objetivos da pesquisa?

O trabalho tem o objetivo de contribuir com a literatura dedicada a examinar processos de criminalização no contexto de ciclos de protesto, identificando as táticas e enquadramentos interpretativos mobilizados pelos atores repressivos – nesse caso, polícia, Ministério Público, e Judiciário .

Através da análise documental dos autos completos do processo criminal e das narrativas de manifestantes criminalizados, descrevemos o fluxo processual e principais acontecimentos ao longo do processo. É identificada, então, a mobilização de determinadas táticas repressivas, associadas com o modelo de policiamento baseado na incapacitação estratégica, no qual busca-se impedir que o protesto ocorra ou neutralizar pessoas identificadas como suspeitas, mesmo antes que qualquer ação disruptiva aconteça, assim como táticas com raízes históricas em processos de criminalização ocorridos durante a ditadura militar. 

Como forma de justificar e legitimar a ação repressiva criminalizante, esses atores estatais investem fortemente em uma narrativa centrada na ideia de que os acusados seriam pessoas perigosas que teriam praticado atos violentos. Ao examinar   a produção de enquadramentos interpretativos repressivos realizada pelos atores do sistema de justiça criminal, aponta-se para a relevância dos temas agressão aos policiais e dano ao patrimônio como os elementos que dão sentido à ideia de violência, central para os quadros criminalizantes. Na interpretação policial, o tipo de violência que seria planejada ou executada contra agentes das forças de segurança é retratada com maior gravidade, enquanto os quadros produzidos pelo Judiciário se destacam pela representação de objetos tipicamente defensivos, como escudos e máscaras, como se fossem armas de ataque. 

Considerando que o processo de enquadramento realizado pelo Estado não se limita ao campo da percepção, tratando-se de uma operação que busca exercer controle ao delimitar aquilo que pode, ou não, ser representado, atentamos também para o que é deixado de fora das molduras produzidas. Identificamos que os enquadramentos promovidos pelos agentes do estado relegam o tema da violência cometida por policiais contra manifestantes ao campo da não-representatividade, sistematicamente excluindo esses atos das narrativas apresentadas. Isso impacta profundamente a interpretação sobre o comportamento dos manifestantes e produz uma divisão entre sujeitos com direito a defesa e sujeitos que são vistos como, essencialmente, agentes da violência.

Poderia falar mais sobre a sua tese de doutorado?

A pesquisa examina as formas de controle das manifestações de rua no Rio de Janeiro durante os anos de 2013 e 2014, período marcado por protestos massivos e pela disseminação de táticas internacionais de controle de protestos, facilitada pelo contexto da Copa do Mundo, que impactaram profundamente a organização e a política de repressão no Brasil. Focando no Rio de Janeiro, o estudo busca compreender o que mudou e o que permaneceu nas práticas de controle de protestos, além de investigar os processos que levaram a essas transformações. 

Quais as perspectivas encontradas na pesquisa?

A pesquisa analisa como a repressão foi conduzida, identificando os atores envolvidos, as táticas e estratégias empregadas e as arenas de disputa, destacando as continuidades e mudanças nas ações dos agentes repressivos e os processos de disputa e tomada de decisão que moldaram essas práticas. 

O estudo considera a dimensão político-institucional, examinando as atuações e disputas no âmbito do Executivo e do Legislativo; a dimensão organizacional da polícia, explorando como o policiamento de manifestações foi incorporado às rotinas de controle da ordem pública, levando em conta a cultura institucional e as práticas operacionais; e a dimensão interacional, analisando a coevolução entre formas de protesto e de repressão, observando como manifestantes e policiais adaptaram táticas em resposta às estratégias uns dos outros na busca por vantagem tática.

Qual foi a sua motivação para falar sobre o assunto?

A possibilidade de protestar e fazer reivindicações de maneira não institucional é um instrumento essencial para a conquista de direitos e a promoção da justiça social, sendo protegida por diversos direitos fundamentais e princípios do sistema democrático. Contudo, na prática democrática contemporânea, tanto no Brasil quanto em outros países, observa-se uma crescente repressão e controle sobre formas de participação social não institucional, resultando na progressiva redução do "espaço cívico" — isto é, o ambiente político-institucional que possibilita que as pessoas se auto-organizem e influenciem a política. Os protestos em massa que atingiram seu auge em junho de 2013 tiveram efeitos políticos e institucionais significativos no Brasil, incluindo mudanças marcantes nas formas de protestar e de reprimir manifestações. Essas transformações continuam a impactar o espaço cívico no país, mas ainda sabemos pouco sobre como essas reorganizações e inovações ocorreram, e quais fatores as motivaram. Minha pesquisa de doutorado busca iluminar alguns desses aspectos, contribuindo para uma compreensão mais profunda desse processo.

 

 Veja abaixo o vídeo:

 

URL Vídeo remoto

Para saber mais sobre o Doutorado Acadêmico em Direito e Desenvolvimento da FGV Direito SPacesse o site.

Essa matéria faz parte da série Ideias que Transformam

 

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