Pesquisa revela que, em caso de grave ameaça militar, opção nuclear polariza a sociedade brasileira
Este é o primeiro estudo sobre a opinião dos brasileiros a respeito da aquisição de um explosivo nuclear

Durante a segunda metade do século XX, a humanidade viveu o medo de uma guerra nuclear, e com a agressão da Rússia na Ucrânia, somado a crescente tensão entre China e Estados Unidos sobre Taiwan, esse antigo medo volta à tona. No Brasil, esta discussão ganha outras nuances, visto que o país apesar de contar com uma tecnologia nuclear de ponta, nunca optou por construir um explosivo nuclear.
Agora, um novo estudo da Fundação Getulio Vargas se dedicou a entender qual a opinião da população brasileira acerca da construção deste explosivo nuclear. A pesquisa constatou que, em casso de uma grave ameaça militar, imposta por um inimigo muito poderoso, a possibilidade de o Brasil construir uma bomba atômica polariza a sociedade.
Publicada no Journal of Global Security Studies sob o título de “Public Support for Nuclear Proliferation: Experimental Evidence from Brazil”, a pesquisa também revela que uma promessa de proteção vinda dos Estados Unidos seria suficiente para desfazer a polarização, e restaurar a opinião majoritária contra a ideia de o Brasil se nuclearizar.
Para realizar o estudo, o Datafolha entrevistou mais de 2 mil brasileiros sobre o que eles pensavam a respeito de o Brasil adquirir ou construir uma bomba atômica, ao passo que apenas 25% dos brasileiros manifestaram-se a favor desta medida. A pesquisa também buscou entender o que esses participantes pensavam da construção de um explosivo nuclear, caso o Brasil fosse ameaçado por um país estrangeiro muito poderoso. Nessas circunstâncias, a parcela da população favorável à proliferação nuclear chega a 47%.
Influência militar dos EUA sobre o Brasil
O estudo buscou entender ainda quais fatores contribuiriam para reduzir o apoio popular a construção de uma bomba atômica no Brasil, mesmo em condições de grave ameaça externa. Neste cenário, os pesquisadores descobriram que uma promessa de proteção contra esta possível ameaça por parte dos Estados Unidos bastaria para diminuir o apoio a proliferação nuclear para 27% da população.
De acordo com Matias Spektor, coordenador da pesquisa e professor da Escola de Relações Internacionais da FGV (FGV RI), o resultado tem duas implicações diretas. Por um lado, a pesquisa alerta para o risco de manipulação da opinião pública por parte de atores políticos interessados em proliferação nuclear, e por outro lado, os resultados do estudo também sinalizam a percepção da população brasileira de que os Estados Unidos são uma fonte de proteção, não de ameaça.
“Os últimos anos revelaram que no Brasil e no mundo minorias bem organizadas são capazes de polarizar sociedades inteiras e desfazer consensos que antes pareciam firmes. Além disso, não apenas encontramos que a promessa estadunidense de apoio ao Brasil acaba com a polarização em torno à questão nuclear, mas também identificamos que, para essa promessa ser efetiva, não é necessário que membros do Governo Brasileiro digam que tal promessa é crível. É como se houvesse uma confiança tácita do povo brasileiro em uma eventual proteção militar vinda dos Estados Unidos”, explicou Spektor.
Entendendo o que os brasileiros pensam sobre a construção de uma bomba atômica
O resultado do estudo revela que a preferência do público brasileiro por não criar armas nucleares está longe de ser fixa. “Esta opinião é maleável e depende do contexto de segurança externa em que se encontra o Brasil. Os dados deste estudo nos fazem refletir, pois estamos adentrando em um mundo mais competitivo e com mais conflitos, onde grandes potências disputam por prestígio, influência e recursos escassos”, declarou o Spektor.
O estudo se baseou em um questionário de alcance nacional aplicado com vista a reproduzir a diversidade social do país. “A partir de um grupo de controle e de grupos de tratamento, foi possível constatar que os brasileiros ajustam a sua preferência a respeito da possibilidade de uma arma nuclear no Brasil conforme o contexto de segurança no qual o país se insere”, disse o pesquisador.
O experimento não identificou nomes de um possível país agressor, a fim de evitar que os respondentes reagissem em função de seus posicionamentos pessoais. “Se identificássemos um país agressor pelo nome, nosso resultado perderia precisão. Por exemplo, se disséssemos que a ameaça vem da Venezuela e o respondente defendesse a construção de um explosivo nuclear brasileiro, não saberíamos se essa preferência foi “causada” pela intensidade da ameaça imposta pelo inimigo ou por que a pessoa tem uma antipatia pessoal, ou política, etc., em relação à Venezuela”, exemplificou Spektor.
Questões em aberto sobre a energia nuclear no Brasil
O estudo contou com financiamento da Fundação Stanton, que é especialista em questões de política nuclear. Os resultados despertaram nos pesquisadores da FGV RI novas perguntas que deram origem a dois novos estudos nessa área.
O primeiro estudo indaga de onde vem e sob quais condições varia a preferência dos profissionais do setor nuclear brasileiro por níveis mais avançados de tecnologia sensível.
“Precisamos entender qual a motivação por trás do esforço nacional para adquirir tecnologia nessa área e quais fatores podem mudar o curso das coisas”, comentou o pesquisador, que em setembro de 2023 começará a ir campo, em busca de responder a mais esta questão.
O segundo estudo indaga de que forma o setor nuclear de um país, com tecnologia sensível como o Brasil, reage à política dos Estados Unidos contra a proliferação nuclear.
“Queremos entender de que forma esses instrumentos diferentes condicionam a reação do setor nuclear de países emergentes”. Spektor também irá testar essas ideias empiricamente.
Traçando a história do Programa Nuclear do Brasil
A pesquisa Public Support for Nuclear Proliferation: Experimental Evidence from Brazil, realizada junto aos pesquisadores Guilherme Fasolin, da Vanderbilt University e Juliana Camargo da Fundação Getulio Vargas, se originou a partir de um projeto iniciado em 2010, quando a FGV e a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) firmaram parceria para reconstituir a história do Programa Nuclear Brasileiro, projeto desenvolvido pela Escola de Ciências Sociais da FGV (CPDOC). Durante quase uma década, os pesquisadores coletaram aproximadamente 500 horas de entrevistas com os principais atores do Programa.
Alguns exemplos entre esses entrevistados incluem os cientistas, engenheiros, chanceleres, embaixadores, ministros e inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica, envolvidos na história do Programa Nuclear Brasileiro. Além disso, a equipe do FGV CPDOC entrevistou os negociadores nucleares de países como Argentina e Estados Unidos que, à época, lidaram com o Brasil. Foram entrevistados também os especialistas responsáveis por lidar com o acidente nuclear de Goiânia, ocorrido em 1987.
Spektor contextualiza que, embora o Brasil não possua bombas atômicas, é um dos poucos países do mundo que desenvolveu tecnologias para minerar e enriquecer urânio, gerando energia elétrica, produzindo remédios radiotópicos e criando uma indústria nuclear própria.
“Mais recentemente, o Brasil tem tentado dominar a tecnologia para construir submarinos de propulsão nuclear”, pontuou o pesquisador. Ele relembra que nas décadas de 1970 e 1980, muitos países do mundo estavam convencidos de que o Brasil estaria trabalhando para construir um explosivo nuclear nos mesmos moldes da Índia e da África do Sul.
“Essa percepção levou o governo da Alemanha Ocidental negar ao Brasil a venda de tecnologia de enriquecimento de urânio e o governo dos Estados Unidos suspendeu a venda de tecnologias de ponta para o programa espacial. Foi somente uma parceria de controles nucleares mútuos com a Argentina, iniciada nos anos 1980, que estabeleceu as bases para que a comunidade internacional se convencesse dos fins pacíficos do programa nuclear no Brasil”, relembrou.
O projeto realizado pelo FGV CPDOC envolveu também a busca, coleta e organização de documentos oficiais dos governos de Argentina, Brasil, Estados Unidos, Alemanha Ocidental e Reino Unido, além das avaliações da Central Intelligence Agency (CIA) a respeito das atividades nucleares do Brasil. O material deu origem ao livro As origens da cooperação nuclear: uma história oral entre Brasil e Argentina (2015), editado por Rodrio Mallea, Nicholas Wheeler e Matias Spektor, disponível gratuita e eletronicamente em Português, Inglês e Espanhol no site do pesquisador: www.matiasspektor.com.
Leia também