À espera do ajuste
As últimas semanas foram marcadas por muita volatilidade nos mercados, tanto por motivos externos como domésticos.
No front externo, a vitória de Donald Trump nas eleições nos EUA, com o Partido Republicano também conquistando maioria no Senado e na Câmara dos Deputados, desencadeou uma onda dos chamados “Trump trades”. Tudo indica que as propostas de campanha serão encaminhadas e, com o alinhamento entre Executivo e Legislativo, há muito mais chances de serem aprovadas. Entre os principais temas com forte impacto econômico, temos o aumento de barreiras e tarifas às importações, com destaque para aquelas vindas da China, redução de impostos e da regulação, e combate à imigração. São medidas que, na sua maioria, vão pressionar os preços, gerando um aumento na inflação, que vai dificultar a queda da taxa de juros, dessa forma fortalecendo o dólar.
Em que pese esse cenário, na reunião encerrada dois dias após as eleições, o banco central dos EUA (Fed) cortou a taxa de juros em 0,25 p.p., indicando que os próximos passos vão depender dos dados econômicos. O mercado precifica uma probabilidade de 62% de mais um corte de 0,25 p.p. nos juros na reunião de dezembro, contra 38% de nenhum corte, refletindo o fato de que os dados de inflação mostraram alguma desaceleração, mesmo que permanecendo razoavelmente acima da meta perseguida pelo Fed, de 2% a.a..
Assim, em outubro, o núcleo da inflação ao consumidor (CPI) foi de 0,28%, ligeiramente abaixo das expectativas de mercado (0,30%). Em valores acumulados em 12 meses, o núcleo da inflação ficou estável em 3,3%. Além disso, a medida de núcleo denominada “Supercore” (núcleo de serviços, exceto aluguel) caiu para 0,31%, ante 0,40% no mês anterior. Esta última medida é muito importante para o Fed decidir sobre os próximos passos, além, é claro, dos números da atividade, em particular daqueles relacionados ao mercado de trabalho.
Porém, a expectativa hoje é que o ciclo de queda de juros seja menor e termine antes do que se previa antes das eleições. No mês decorrido desde meados de outubro, a expectativa para o Fed Funds ao final do primeiro semestre de 2025 subiu 41 pontos base. E discurso recente do presidente do Fed mostrou uma postura mais conservadora em relação ao ciclo de corte de juros, pois a atividade segue robusta e, com isso, a flexibilização monetária em curso deve ser conduzida de forma muito cautelosa.
Consequentemente, o resultado eleitoral americano teve reflexos sobre todos os mercados internacionais e, em particular, nas economias emergentes. De fato, já houve uma elevação das taxas dos Treasuries (títulos do Tesouro americano) de curto e longo prazos e o dólar se valorizou com força, com o DXY subindo 3,1% nos dez dias seguintes à eleição.
O Brasil também tem sido afetado. E questões domésticas amplificam o movimento.
Em primeiro lugar, como esperado, o processo de convergência para a meta de inflação está muito mais desafiador. Os dados divulgados mostram que a inflação de serviços, com destaque para os serviços subjacentes, tem acelerado.
Em segundo lugar, dados referentes ao mercado de trabalho e à atividade econômica continuam surpreendendo para cima. A taxa de desemprego atingiu 6,5% em termos dessazonalizados em setembro, o menor nível da série histórica da PNAD Contínua, iniciada em 2012, e potencialmente a menor taxa de desemprego desde o início dos anos 2000. As previsões para outubro apontam novo recorde histórico.
Dados de atividade têm vindo acima do esperado e revisamos a previsão de crescimento do terceiro trimestre de 0,1% (TsT) para 0,7% e, para o ano fechado, de 2,9% para 3,3%, com expressiva aceleração das atividades mais relacionadas ao ciclo econômico. Ano passado essas atividades contribuíram com 1,2 p.p. do crescimento de 2,9% do PIB e, para este ano, é esperado contribuição de 2,8 p.p. dos 3,3%. Um ano totalmente diferente de 2023, quando o destaque foram atividades como a agropecuária e a indústria extrativa.
Com a atividade crescendo acima do potencial, a inflação, como esperado, não converge para a meta. Um dos motivos para essa forte aceleração é a política fiscal. De janeiro a setembro deste ano, as despesas do Governo Central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) somaram R$ 1,652 trilhão, elevação real de 6,5% sobre o R$ 1,490 trilhão registrado em igual período do ano passado. É importante destacar que, nesse período, o Tesouro e o Banco Central foram superavitários em R$ 160,634 bilhões e o Regime Geral da Previdência Social registrou déficit de R$ 265,821 bilhões. Um déficit não trivial, quando se considera a situação tão favorável do mercado de trabalho.
Neste ano também houve forte aceleração dos gastos dos governos regionais, explicado, em grande medida, pelo calendário eleitoral.
Em suma, diante desse quadro, o ciclo de aperto monetário vai continuar. De fato, a ata do Copom indicou que a autoridade monetária pode prolongar o ciclo de aperto se as expectativas de inflação continuarem a se deteriorar. Por enquanto, o ritmo de 50 p.b. deve ser mantido, mas há chances de ser necessário acelerar o aperto monetário. Isso dependerá muito de como a questão fiscal será abordada.
O ritmo de crescimento dos gastos precisa ser reduzido de forma permanente, para permitir uma desaceleração da inflação e redução do risco da economia e, mais à frente, a queda de juros. Enquanto isso não ocorrer, o quadro fiscal seguirá insustentável. Como já ocorreu no passado, o custo de uma política fiscal insustentável e excessivamente expansionista é convivermos com taxas reais de juros muito elevadas. Não há outra saída. Mas isso não resolve a questão fiscal, que piora com o aumento do custo de financiamento do governo, acelerando a alta da dívida pública.
Esse quadro doméstico, que já se apresenta desafiador há algum tempo, tornou-se ainda mais complicado com a eleição de Donald Trump e a perspectiva de que presidente eleito dos EUA venha a implementar suas promessas de campanha. Dólar mais forte, juros externos mais altos e, potencialmente, menor crescimento na China e na Europa são todos fatores que vão pressionar preços e juros também no Brasil. Ficar adiando o urgente e necessário ajuste nos gastos públicos não vai resolver nada disso, pelo contrário.
Este artigo foi publicado originalmente pelo Blog do IBRE.
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