O aumento da procura pelo aeroporto do Galeão

Essa medida de redução da capacidade do SDU teve o objetivo de direcionar mais rotas domésticas para o Aeroporto do Galeão (GIG), cujos resultados dos últimos anos foram desanimadores e causou muitos prejuízos ao gestor privado.

Políticas Públicas
05/02/2024
Marcus Quintella

Desde o final do ano passado, os voos que partem do Aeroporto Santos Dumont (SDU) não têm mais restrições de destino, obedecendo aos dispositivos legais em vigor que desregulamentaram o setor aéreo, mas, a “nova” capacidade de 6,5 milhões de passageiros por ano deve ser obedecida pela Infraero, gestora estatal do aeroporto. Essa medida de redução da capacidade do SDU teve o objetivo de direcionar mais rotas domésticas para o Aeroporto do Galeão (GIG), cujos resultados dos últimos anos foram desanimadores e causou muitos prejuízos ao gestor privado.

Diante desse novo cenário, já em dezembro de 2023 houve um significativo crescimento na movimentação de passageiros no GIG, com o registro de 1.037.399 passageiros, contra 558.693 passageiros, em dezembro de 2022, ou seja, aumento de 86%. Ao mesmo tempo, o SDU movimentou 561.059 passageiros domésticos em dezembro de 2023, contra 970.027 passageiros em dezembro de 2022, ou seja, decréscimo de 42%. Em suma, em dezembro de 2023, o GIG ganhou 478.706 passageiros, em relação a 2022, enquanto o SDU perdeu 408.968 passageiros.

De forma bem simplista, podemos inferir que houve apenas uma migração de passageiros do SDU para o GIG, mas não houve uma geração importante de novos passageiros para o Rio de Janeiro, como um todo.

Se analisarmos em termos anuais, o GIG fechou o ano de 2023 com 7.875.259 passageiros movimentados, contra 5.808.682, em 2022, com aumento de 36%. O SDU cresceu 12% em relação a 2022, passando de 10.186.919 passageiros para 11.450.465, em 2023. Entretanto, se compararmos o ano de 2023 com o ano de 2019, pré-pandemia, veremos que o Rio de Janeiro perdeu 3.733.645 passageiros em quatro anos, visto que o GIG passou de 13.919.514 passageiros, em 2019, para 7.875.259 passageiros, em 2023 (perda de 6.044.255 passageiros), e o SDU passou de 9.139.855 passageiros para 11.450.465 passageiros (aumento de 2.310.610 passageiros).

Toda essa matemática confusa demonstra que ainda não podemos considerar que as restrições impostas ao SDU estão criando maior demanda para o GIG, pois, até o momento, os números mostram apenas uma migração de passageiros entre os aeroportos e um discreto aumento de procura de voos devido às festas de fim de ano e início das férias de verão.

A meta do GIG deve ser voltar ao patamar de 2019, quando movimentava perto de 14  milhões de passageiros, meta essa que não será difícil de ser atingida, pois somente a redução de capacidade do SDU proporcionará esse feito. Novamente, de forma grosseira, basta calcularmos que o SDU despencará dos atuais 11.450.465 passageiros, de 2023, para cerca de 6.500.000, em 2024, com a migração de 4.950.465 passageiros para o GIG. Como o GIG atingiu 7.875.259 passageiros, em 2023, com essa migração chegará a 12.825.724 passageiros. Se considerarmos um crescimento natural de passageiros, o GIG fechará o ano de 2024 perto de 14 milhões de passageiros.

Diante dessa nova situação, as companhias aéreas, tanto as nacionais como as internacionais, estão testando o mercado do GIG, pois retomaram ou aumentaram a frequência de voos, desde outubro do ano passado. Está sendo anunciada a retomada de cerca de 35 rotas que não mais operavam no GIG, principalmente para destinos europeus.

Certamente, o aumento da procura pelo GIG é muito importante para a economia do Rio de Janeiro, mas ainda é cedo para considerarmos que somente as restrições impostas ao SDU serão suficientes para que o aeroporto internacional da cidade retorne aos seus áureos tempos de 2014, quando movimentou 17,2 milhões de passageiros, época da transição para atual gestão privada. Cabe lembrar que nesse mesmo período, o SDU movimentou 9,9 milhões de passageiros, totalizando 27,1 milhões de passageiros no Rio de Janeiro. Se considerarmos os números atuais, de 2014 para 2023, houve uma perda de 7,8 milhões de passageiros no contexto geral da cidade. Certamente, a recuperação dessa quantidade de passageiros é um grande desafio para o Rio de Janeiro.

É sempre importante lembrar que aeroporto sozinho não gera passageiros, por mais moderno e atraente que seja, como é o caso do GIG, e que a prerrogativa de definição das malhas aéreas é exclusiva das companhias aéreas, que analisam as características operacionais e a atração e geração de viagens das cidades e regiões atendidas pelos aeroportos. Por isso, para que esse aumento da movimentação de passageiros no GIG seja sustentável e crescente, a economia do Rio de Janeiro precisa ser recuperada, como um todo, para que o município e o estado voltem a atrair empresas, negócios, indústrias e turismo. Um estudo recente da FGV Transportes comprova a evidência estatística de que a reversão da situação do GIG está fortemente relacionada ao nível de emprego, renda da população e crescimento do turismo do Rio de Janeiro. Além disso, a segurança pública sistêmica é um fator essencial para a sustentabilidade do crescimento do GIG, ou seja, em toda a cidade e não somente nas vias de acesso, como as Linhas Vermelha e Amarela e a Avenida Brasil.

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.

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Autor(es)

  • Marcus Quintella

    Doutor em engenharia de produção pela Coppe/UFRJ, mestre em transportes pelo IME, pós-graduado em administração financeira pela FGV e engenheiro civil pela Universidade Veiga de Almeida. Atualmente, é diretor da FGV Transportes, editor-chefe da Revista Brasileira de Transportes - RBT e coordenador acadêmico dos cursos de MBA da FGV.

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