Os benefícios da mobilidade urbana baseada em trens e metrôs
Não há dúvida alguma que apenas o transporte urbano sobre trilhos, em grande escala, poderá solucionar esses eternos problemas de mobilidade nas grandes cidades do país.
A cada dia que passa, o problema da mobilidade das grandes cidades brasileiras se agrava e os congestionamentos aumentam espantosamente, cujas consequências recaem sobre os impotentes cidadãos dessas cidades, que sofrem impiedosamente os malefícios irrecuperáveis da falta de transporte urbano de qualidade.
Não há dúvida alguma que apenas o transporte urbano sobre trilhos, em grande escala, poderá solucionar esses eternos problemas de mobilidade nas grandes cidades do país. Não obstante, enquanto os investimentos em trens e metrôs não chegam, seja por motivos políticos, seja por escassez de recursos orçamentários, as populações das metrópoles brasileiras precisam continuar sendo transportadas, mesmo sobre pneus.
Na realidade, não existe uma solução definitiva para o trânsito de cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Fortaleza, Porto Alegre e Salvador que não tenha como espinha dorsal um sistema metroferroviário abrangente e integrado. Ao contrário, existe o incentivo velado ao transporte individual (autos particulares, táxis e aplicativos), bem como aos ônibus e vans, que, de modo desordenado, ocupam as vias urbanas, proporcionando o conhecido espetáculo caótico dos congestionamentos intermináveis e desumanos.
Há décadas, muitos países vêm utilizando o transporte urbano sobre trilhos como solução para os graves problemas de mobilidade em suas cidades de médio e grande portes, ainda mais que existe um consenso entre os especialistas que o modo metroferroviário produz magníficos benefícios, tangíveis e intangíveis, desde que bem planejado e integrado com os demais modos de transporte.
O transporte público sempre foi um desafio para os governantes em todo o mundo, especialmente no Brasil, onde cerca de 85% da população reside em áreas urbanas e os locais de moradia, de trabalho e de lazer estão cada vez mais separados espacialmente entre si. Além disso, o Brasil sofre as consequências da infeliz opção pelo transporte rodoviário, tanto de carga como de passageiros, feita na metade do século passado, em detrimento do transporte sobre trilhos. Enquanto nossas grandes cidades possuem insuficientes linhas de metrôs e deficientes sistemas de trens urbanos, dezenas de metrópoles pelo mundo afora contabilizam, há muito tempo, extensas e competentes redes metroferroviárias, que são a base de seus sistemas de transporte público e responsáveis pelo excelente nível de mobilidade urbana de suas populações.
Existem muitos estudos comprobatórios da viabilidade socioeconômica e ambiental dos projetos metroferroviários, que mostram claramente que são gerados benefícios suficientes para superar os investimentos públicos realizados. Os benefícios tangíveis mais conhecidos e mensurados monetariamente são as reduções de acidentes de trânsito, diminuição dos tempos de viagem, redução do consumo de combustíveis, eliminação de congestionamentos, redução das poluições atmosférica e sonora, valorização imobiliária, redução dos custos de manutenção e operação das vias urbanas, redução dos custos operacionais dos veículos e aumento de arrecadação tributária. Além disso, são gerados benefícios intangíveis como conforto, segurança, tranquilidade e qualidade de vida.
A gasolina e o diesel usados no transporte urbano sobre pneus são os principais poluentes que contribuem para o aquecimento global e a poluição do ar, com emissões de monóxido de carbono, óxido de nitrogênio, hidrocarbonetos, óxidos de enxofre e material particulado. Tais emissões causam danos ambientais, como o aumento do efeito estufa, e contribuem fortemente para o adoecimento e morte de milhares de brasileiros, todo ano. O monóxido de carbono, em grande quantidade, causa tonturas, vertigens, alterações no sistema nervoso central e pode levar ao óbito. O dióxido de enxofre, presente na combustão do óleo diesel, provoca coriza e danos irreversíveis aos pulmões e também pode ser fatal, em alta dosagem. A fuligem pode atingir o pulmão das pessoas e agravar quadros alérgicos como asma e bronquite, irritação de nariz e garganta e facilitar a propagação de infecções gripais. Os sistemas metroferroviários emitem 75% de óxido de nitrogênio a menos que os automóveis e quase nenhum hidrocarboneto e monóxido de carbono. A poluição sonora produzida pelo trânsito caótico provoca distúrbios do sono, estresse, perda da capacidade auditiva, dores de cabeça, náuseas, perda de concentração, taquicardias e alergias.
O grau de eficiência energética dos sistemas metroferroviários, traduzido em economia de energia, constitui uma das grandes vantagens que essa modalidade tem sobre a concorrência rodoviária. A escassez das fontes de energia em relação à demanda crescente, aliada aos aumentos vertiginosos nos preços do petróleo, justifica o redirecionamento de políticas de incentivo a investimentos em transporte metroferroviário. Para cada 10 mil veículos, com apenas 1 ocupante, atraídos para o sistema metroferroviário, são economizados cerca de 10 milhões de litros de combustível. A energia elétrica, combustível propulsor dos sistemas metroferroviários modernos, configura-se numa fonte de energia renovável e limpa, se comparada aos combustíveis derivados do petróleo. Um trem cheio possui uma eficiência energética 15 vezes superior à do automóvel. O transporte metroferroviário faz melhor uso do espaço urbano, visto que uma via de metrô pode transportar 60.000 passageiros por hora, enquanto uma faixa de ônibus urbano pode chegar a 6.700 passageiros por hora e três faixas para automóveis não ultrapassam a 5.450 passageiros por hora. Aproximadamente 1.200 passageiros são transportados em um trem de metrô, o que corresponderia a uma fila de 25 ônibus ou 830 automóveis.
Os sistemas metroferroviários apresentam baixos índices de acidentes e evitam milhares de mortes no trânsito, gerando menos danos às famílias e à sociedade. Os imóveis residenciais e de negócios lindeiros às estações metroferroviárias são valorizados.
A título exemplificativo, o Metrô-SP divulga anualmente o seu balanço social, no qual são calculados e monetizados os benefícios sociais gerados em função da redução do congestionamento nas ruas e da melhoria da qualidade ambiental. Para isso, parte-se da hipótese de que se o Metrô-SP deixasse de operar, a mobilidade das pessoas na cidade seria modificada à medida que seus usuários teriam que se deslocar por outros meios de transporte, como ônibus, automóveis e motocicletas.
Esses benefícios sociais são calculados a partir das reduções dos tempos de viagem, do consumo de combustível fóssil e, consequentemente, da poluição do ar e da emissão de gases de efeito estufa, além da redução de acidentes de trânsito e dos custos operacionais dos veículos (automóveis, motocicletas e ônibus) e dos custos de manutenção e de operação de vias. Dessa forma, entre 2003 e 2022, os benefícios sociais totais acumulados gerados pelo Metrô-SP totalizaram R$ 309,1 bilhões, montante suficiente para retornar todo o investimento aplicado na construção da rede metroviária da capital paulistana e ainda construir mais 150 km de linhas.
Em última análise, não há argumento algum que possa suportar as decisões governamentais contrárias à implantação de sistemas metroviários nas grandes regiões metropolitanas brasileiras. Independentemente de seus altos custos financeiros de implantação, manutenção e operação, em termos sociais, econômicos e ambientais, os metrôs e trens urbanos serão sempre viáveis e benéficos para a qualidade de vida da população.
*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.
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