Políticas Públicas

O transporte de passageiros por motos deve ser proibido? Eis a questão!

Marcus Quintella

O debate sobre o transporte de passageiros por motocicletas levanta aspectos importantes sobre legalidade, segurança, riscos, mobilidade urbana e benefícios socioeconômicos. Trata-se de um tema polêmico e controvertido que precisa receber atenção redobrada dos poderes públicos e da sociedade, pois já é um modo de transporte consolidado e largamente utilizado na maioria das cidades brasileiras, bem como em cidades pelo mundo afora.

Diversas fontes afirmam que a profissão de mototaxista surgiu na Alemanha, em 1987, e mais tarde na Bolívia, em 1992. No Brasil, sem haver registros oficiais, a pioneira pode ter sido a cidade de Crateús, no Ceará, em 1995, e logo chegou na comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro, por volta de 1998. Alguns relatos apontam que esse serviço sobre duas rodas começou a ser oferecido no Brasil em meados da década de 1980, e, atualmente, o uso da mototáxi é oferecido em todo o país, com forte crescimento anual.

Em termos de legalidade em nosso país, a Lei nº 12.009/2009, regulamenta tanto a profissão de mototaxista como o serviço dos motoboys, cujos requisitos básicos são: idade mínima de 21 anos; mínimo de dois anos de habilitação na categoria “A”; e utilização de colete de segurança com dispositivos retrorrefletivos e capacete; e aprovação em curso especializado e regulamentado pelo Contran, com atualização a cada 5 anos. Apesar da vigência dessa lei, algumas cidades não permitem esse tipo de atividade, como a cidade de São Paulo. Existem outras duas leis federais que regulamentam os motociclistas, 12.997/2014 e 12.436/2011, que estabelecem obrigações e direitos de todos os motoboys do país. Sem dúvida alguma, a regulamentação da atividade é muito importante para combater a informalidade na profissão e proteger os direitos daqueles que utilizam e exercem a profissão de mototaxista.

Quanto à segurança e riscos do serviço de mototáxi, os números impressionam, mas providências precisam ser tomadas permanentemente, especialmente no campo da educação no trânsito e treinamento dos profissionais. Conforme a Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), em 2023, ocorreram 12.870 mortes de motociclistas no país, com 35 mortes por dia, em média, e mais de um milhão de pessoas foram internadas em hospitais, vítimas dos sinistros de trânsito. A Abramet informa que os sinistros com motocicletas são os que mais causam vítimas no trânsito e estão em primeiro lugar no ranking de internações hospitalares e de óbitos. Todavia, apesar dos números alarmantes, não há uma correlação direta entre as mortes de motociclistas e o serviço de mototáxi especificamente, segundo especialistas, visto que os dados são agregados, quando precisariam ser detalhados por cidade, tipo de moto, causa etc.

Certamente, o crescimento anual da frota de veículos nas cidades brasileiras, com consequente aumento de pessoas envolvidas no trânsito, a falta de transporte público de massa e a má gestão do trânsito são fortes fatores que contribuem sobremaneira com acidentes nas vias urbanas e rodovias. Dentro desse contexto, deveriam fazer parte dos orçamentos oficiais programas permanentes de educação no trânsito e cidadania, nas escolas, desde o ensino fundamental, nas empresas e em todas as mídias. Além disso, a sensação de impunidade que reina para os crimes e infrações de trânsito é muito grande e favorece as ocorrências de acidentes com sequelas e mortes.

A redução da mortalidade de acidentes de trânsito é possível e a cidade de Fortaleza tornou-se um caso de sucesso, pois conseguiu reduzir o número de mortes no trânsito por 9 anos consecutivos, simplesmente com a implementação de ações educativas, fiscalização e engenharia de tráfego. No caso específico de mortes de motociclistas, entre 2014 e 2023, houve uma redução de 41,8%, segundo a Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) de Fortaleza. O serviço de mototáxi vem sendo utilizado há muito tempo, mas somente foi regulamentado na cidade em 1997.

No contexto da mobilidade urbana, o serviço de mototáxi surgiu no Brasil como única opção de meio de transporte para as populações dos bairros das periferias das grandes cidades, bem como para os moradores de comunidades e favelas, pela falta de abrangência e capilaridade do transporte público. Mais tarde, as mototáxis passaram a atuar como alternativa para os problemas de congestionamentos das cidades, por sua rapidez no deslocamento, baixas tarifas e melhor acessibilidade, mais uma vez devido à falta de transporte público abrangente, econômico, regular e integrado de forma física e tarifária. Hoje em dia, a mototáxi desempenha um papel fundamental na mobilidade urbana das cidades brasileiras de médio e grande portes, principalmente em virtude dos congestionamentos intensos e da precariedade, irregularidade e falta de capilaridade do transporte público.

No campo dos benefícios socioeconômicos, precisamos levar em conta que o serviço de mototáxi é muito mais acessível à população de baixa renda e a moradores da periferia das cidades, uma vez que chega a ser 40% mais barato do que o transporte por carro. O serviço diminui as perdas de tempo em congestionamentos, ocupa a lacuna da insuficiência do transporte público, ajuda na integração com outros modos de transporte e serve como proteção contra a crescente insegurança pública. Estudos mostram que as mototáxis projetam ganhos em arrecadação tributária para as cidades, bem como geram milhões de empregos, diretos e indiretos. Segundo o IBGE, em 2023, havia 1,5 milhão de pessoas que trabalhavam por meio de aplicativos, sendo 39,5% (589 mil) como entregadores de comida e produtos. Por outro lado, não podemos esquecer que o serviço de mototáxi eleva o número de acidentes, resultando em vítimas fatais e sequelados, que sobrecarregam o sistema público de saúde e de previdência, e agrava os congestionamentos, entre outros malefícios.

A questão é que a motocicleta existe no mundo desde 1885 e surgiu no Brasil no início do século XX, sendo, portanto, um modo de transporte amplamente utilizado, mesmo com sua natureza perigosa e de possuir um risco inerente altíssimo. Segundo o Senatran, do Ministério dos Transportes, existem cerca de 34,2 milhões de motos e ciclomotores registrados, em 2024, representando 28% da frota do país. Portanto, a proibição da motocicleta para o serviço de mototáxi, autônomo ou por aplicativos, merece um debate mais amplo e ponderado, visto que existe uma similaridade técnica com os serviços de motos utilizados no e-commerce, nos fretes courier, nas transportadoras de pequeno porte, nos Correios e nas empresas, de modo geral.

Em última análise, a solução para o tema da proibição ou não da mototáxi nas cidades deve passar primeiramente por pesados investimentos em transporte público de massa (trens e metrôs), com integração modal e tarifária, e em infraestrutura viária segura, com engenharia e gestão inteligente de tráfego, bem como por políticas públicas que promovam fiscalização e conscientização da população para ser construído um trânsito mais seguro e humano.

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