Mudança do clima e desenvolvimento socioeconômico: dois lados de um mesmo Plano
No Brasil, o governo federal está elaborando a proposta de atualização do Plano Nacional sobre Mudança Clima (Plano Clima) e deverá discutir seu conteúdo com diferentes setores da sociedade.
Na conta mundial, as escolhas políticas e econômicas têm nos colocado em uma trajetória deaquecimento global médio acima do limite de 1,5°C ou de no máximo 2°C, previsto como um dos objetivos centrais do Acordo de Paris, que tem 195 países signatários, incluindo o Brasil.
Segundo o primeiro Balanço Global do Acordo de Paris, saímos de uma de uma projeção de aumento esperado da temperatura global de 4°C, antes da instituição deste Acordo, para uma trajetória de aumento na faixa de 2,1 a 2,8°C, considerando a implementação total das últimas promessas de metas climáticas dos países Parte do Acordo de Paris.
O cumprimento pleno dessas promessas e a necessidade de aumentar a ambição climática impõem desafios à sociedade global que envolvem diferentes escalas, níveis, setores e áreas do conhecimento. De um lado, é imperativo mitigar as emissões de gases de efeito estufa (GEE) para evitar um aumento desastroso do aquecimento global e, consequentemente, da frequência e severidade de eventos extremos.
Por outro, admite-se que independentemente da ambição dos esforços futuros de mitigaçãode GEE, alguma quantidade de adaptação à mudança do clima é inevitável, devido às emissões passadas.
Em ambas as frentes, esforços globais mais ambiciosos deverão ser empenhados. Esse processo reforça os riscos de transição que tem pressionado e afetará crescentemente a competitividade de diferentes setores; e os riscos físicos da mudança do clima, cada vez maiores devido à insuficiência deações de mitigação. Um grande desafio para a concretização dessas promessas está na integração dasagendas climáticas e de desenvolvimento de cada país, em especial no que diz respeito a formulação e revisão de suas políticas setoriais.
No Brasil, o governo federal está elaborando a proposta de atualização do Plano Nacional sobre Mudança Clima (Plano Clima) e deverá discutir seu conteúdo com diferentes setores da sociedade. A construção desse Plano trará uma série de desafios e oportunidades para que o país internalize os compromissos internacionais que assumiu a partir de uma estrutura que traga transparência, integridade ambiental e instrumentos que deem sustentação para sua implementação.
Atualmente, o Brasil tem metas de mitigação de emissões de GEE de 48% em 2025 e 53% até 2030 emrelação ao ano de 2005. O País também se comprometeu a atingir a neutralidade climática até 2050. Além de ter que avançar em seu plano de mitigação para atingir essas metas, o país também deverá revisar e avançar no seu planejamento em adaptação à mudança do clima.
A cada cinco anos, o Brasil deve implementar compromissos de mitigação e adaptação nacionalmente determinadas (NDCs), assumidos e comunicados ao Secretariado da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima (CQNUMC), demonstrando seu compromisso com o Acordo de Paris. Cada nova NDC deve representar um esforço mais ambicioso de cada país visando alcançar os objetivos do Acordo de Paris.
Além disso, em novembro de 2025, o Brasil será o anfitrião da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30) que ocorrerá em Belém. Isso abre uma janela de oportunidade para o país assumir posições de protagonismo e liderança frente à comunidade internacional, principalmente por meio dasinalização de compromissos ambiciosos e indicação de meios críveis para sua consecução.
Parte desse processo passa pela atualização da NDC e revisão das políticas nacionais associadas àadaptação e mitigação, que têm como desafio oferecer clareza quanto à sua implementação.
Nesse contexto, o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), estabelecido pelo Decreto nº11.550, de 5 de junho de 2023, determinou, por meio da sua Resolução nº 3, de 14 de setembro de2023, a atualização do Plano Nacional sobre Mudança Clima (Plano Clima). O Plano Clima é um instrumento da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) que consolidará a estratégia nacional,os planos setoriais e as metas do país para a mitigação das emissões de GEE até 2035 e para o alcancedas metas da NDC submetida à CQNUMC.
O Plano Clima abrangerá o período 2024 a 2035, deverá ser atualizado a cada quatro anos e será composto por, pelo menos: Estratégia Nacional de Mitigação (ENM); Planos Setoriais de Mitigação(PSM); Estratégia Nacional de Adaptação; Planos Setoriais de Adaptação; e a Estratégia Transversal para a Ação Climática.
Nesse contexto, a construção e revisões do Plano Clima e demais políticas climáticas não podem ocorrerde maneira dissociada do planejamento e das políticas de desenvolvimento socioeconômico do país (e vice-versa). São muitos os exemplos para demonstrar o racional da integração entre clima e desenvolvimento que fortalecem o planejamento de diferentes setores e regiões, tais como, os setores de energia, agropecuário, resíduos, florestal, industrial e cidades, com vistas a contribuir com a transição para uma economia de baixo carbono e resiliente.
A Amazônia é um dos casos que exemplifica o desafio e a importância dessa integração. A maior fontede emissões no Brasil vem do desmatamento, ainda principalmente ilegal e proveniente da Amazônia. Ao mesmo tempo, essa floresta influencia o regime de chuvas afetando outras regiões como o centro-oestee sudeste. Além disso, o desmatamento não tem gerado desenvolvimento econômico e não reduz desigualdades regionais. Ou seja, o desmatamento não traz retorno no presente e ainda aumenta osriscos futuros. Menos floresta significa maior nível de emissões e, ao mesmo tempo, afeta a disponibilidade hídrica de regiões estratégicas para produção de energia, alimentos, afeta cidades egrandes populações.
Portanto, ao se incorporar as lentes climáticas nos planejamentos setoriais são trazidas considerações arespeito dos riscos de médio e longo prazos para fortalecer o desenvolvimento socioeconômico do país.
As escolhas de desenvolvimento têm influenciado na causa principal da mudança do clima, que são asemissões antrópicas de GEE, ao mesmo tempo que os caminhos do desenvolvimento são afetados pela mudança do clima, que distribui seus impactos ao redor do mundo de maneira não uniforme. Logo, falarde planejamento climático é falar de desenvolvimento e vice-versa.
Há desafios para a integração entre mudança do clima e as políticas setoriais de um país, mas, também existem benefícios. A mudança do clima ainda não atingiu a mesma prioridade do desenvolvimento, porém ao considerar riscos climáticos na formulação, revisão e implementação de políticas setoriais (que compõem a estratégia de desenvolvimento), essas teriam seus objetivos fortalecidos com a incorporação da mudança do clima.
Nesse sentido, o Brasil, que possui um alto potencial ambiental comparativo a outros países, pode utilizar a revisão de seu Plano Clima como uma oportunidade para tornar-se mais competitivo frente aosriscos de transição e mais resiliente diante dos riscos físicos da mudança do clima.
*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.
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