Estudos identificam melhorias na arrecadação promovidas por programas de inovação
Resultados foram discutidos em webinar promovido pelo FGV Cidades em parceria com o BID.
É possível mensurar os benefícios de programas inovadores de arrecadação como a implantação da Nota Fiscal Eletrônica? Segundo estudo realizado por pesquisadores do FGV Cidades, sim. A partir de métodos estatísticos e econométricos é possível avaliar os impactos econômicos dessas políticas. Três estudos que analisaram as inovações na arrecadação fiscal no Brasil foram debatidos em webinar promovido conjuntamente pelo FGV Cidades, Centro de Inovação em Políticas Urbanas da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV EAESP), e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), no dia 7 de novembro.
O tema em alta na agenda pública brasileira, por conta da votação da Reforma Tributária em andamento no Congresso, foi debatido pelos especialistas, que destacaram a oportunidade que o processo de digitalização representa em termos de inovação e simplificação na arrecadação. “Oportunidades como essa, em que a simples inovação te gera um aumento na arrecadação, não podem ser desperdiçadas. Certamente, o financiamento do BID dando suporte à inovação, foram muito relevantes, especialmente, para os municípios”, destacou o diretor do FGV Cidades, Ciro Biderman.
O seminário online contou com três painéis, iniciando com o tema “Inovações na arrecadação fiscal no Brasil: da Digitalização à Ciência de Dados”, apresentado pelo pesquisador George Avelino (FGV Cepesp), moderação de Lycia Lima (FGV EESP) e comentários de Vanessa Rahal (Insper). A sessão seguinte, moderada por Maria Cristina MacDowel (BID) tratou do tema “Como medir ganhos de inovações no fisco: o caso dos estados brasileiros”, apresentado por Ciro Biderman (FGV Cidades), comentários de Enlinson Matos (FGV Cepesp). O último painel contou com o tema “Impactos arrecadatórios do PROFISCO e do PNAFM III”, apresentado por André Martínez Fritscher (BID) e Maria Cristina Mac Dowell (BID). Os comentários foram feitos por Ricardo de Souza Moreira (Receita Federal) e mediação de Isaias Coelho (FGV Direito SP).
Aumento da transparência e eficiência
A implantação da Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), que digitaliza e simplifica a conformidade tributária, trouxe um ganho de cerca de 10% na arrecadação fiscal, segundo pesquisa, conduzida por pesquisadores da FGV, com financiamento do BID. O estudo teve como base de dados informações das receitas estaduais, da Receita Federal e da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), que trata do mercado de trabalho. Foi explorada como estratégia empírica a análise de Diferenças em Diferenças, que consistiu em comparar estados e setores que ainda não iniciaram o programa de NF-e com quem já havia iniciado ao longo do tempo.
Segundo os resultados, apresentados pelo pesquisador do FGV Cepesp, George Avelino, embora os estados apresentem momentos diferentes, com primeiros programas implantados a partir de 2007, a digitalização promoveu redução de custos e tornou a arrecadação mais eficiente, ao permitir maior cooperação do contribuinte.
“A digitalização da arrecadação tributária deve aumentar a transparência do processo, ao menos a sua legitimidade dado os aspectos comuns a todos os contribuintes, reforçando a cooperação”, destacou o cientista político. Segundo Avelino, a arrecadação é uma questão central para a economia política, por ser condição para a existência do próprio Estado.
Debatedora da sessão, a pesquisadora Vanessa Rahal destacou a importância do tema na literatura de Tax Policy. Segundo ela, os exemplos específicos de cruzamentos de informação seriam difíceis de serem definidos como programas de conformidade por desenho, pela dificuldade de se aferir o que de fato provocou o aumento na arrecadação. “Não sei se nesse trabalho hercúleo que vocês fizeram com os dados é possível introduzir a variável, ou selecionar apenas o grupo de contribuintes que receberam eventualmente uma notificação para se autorregularizar. Mas se a gente pegar o universo todo de contribuintes é possível que eu tenha um aumento na arrecadação em razão do medo do contribuinte ser pego, não necessariamente pela oportunidade de se autorregularizar”, afirmou.
Brasil é pioneiro na digitalização
Segundo Biderman, os órgãos de receita são uma exceção quando se observa a presença da inovação no setor público. O pesquisador destacou o pioneirismo brasileiro na digitalização dos documentos fiscais e que o modelo de autorregularização, que consiste em permitir que os contribuintes corrijam voluntariamente eventuais erros em declarações, evitando multas e processos judiciais, tem sido dominante.
Como sugestão de política pública, defendeu a implantação de programas de conformidade, por seu alto benefício em relação ao custo. “A gente espera que, com a simplificação, os programas de autorregularização deixem de ser tão relevantes”, afirmou.
O pesquisador Enlinson Matos fez uma síntese do estudo, ressaltando que se trata da primeira avaliação desse tipo de programa no Brasil. “É preciso patrocinar esse tipo de estudo, porque ninguém sabe o efeito, e a gente precisa testar as variáveis que a gente tem em mãos”, ressaltou.
Modernização e melhorias administrativas
Modernizar os sistemas de arrecadação tem sido desafio das gestões estaduais e, especialmente, municipais. De que forma Programas como o PNAFM III - Programa Nacional de Apoio à Gestão Administrativa e Fiscal dos Municípios Brasileiros - e linhas de crédito como o Profisco - Programa de Apoio à Gestão dos Fiscos do Brasil - podem melhorar a gestão fiscal? Utilizando também o método da análise das Diferenças nas Diferenças, outros dois estudos avaliaram o impacto desse tipo de dispositivo na arrecadação. Os dois programas, financiados pelo BID, tiveram o objetivo de promover a modernização administrativa, fiscal e financeira, sendo o primeiro destinado aos municípios e o segundo aos Estados e ao Distrito Federal.
Segundo a investigação discutida no webinar, a implantação do PNAFM III promoveu um aumento de arrecadação municipal de 17,9% a 23,2%, variando de acordo com o limite de desembolso financeiro de 25% e 50%. O Especialista Sênior da Divisão de Gestão Fiscal do BID, André Martínez Fritscher, apresentou estudo que avaliou o impacto dos produtos do PNAFM III na arrecadação municipal.
“A gente encontra essa associação positiva inclusive no curto prazo. Este resultado pode ser atribuído à implementação de produtos destinados a aumentar a eficiência e eficácia da administração fiscal, integrar o controle espacial na gestão fiscal e melhorar a qualidade da informação fiscal”, explicou Fritscher.
Os municípios beneficiários do PNAFM III têm maior população, desenvolvimento econômico e forte foco em serviços (base ISS) e um terço são capitais de estados. Tendo em vista essa disparidade, o trabalho construiu um grupo contrafactual para a realização da comparação entre 2014 e 2021, considerando a presença e a ausência do Programa.
O Coordenador-Geral de Fiscalização da Receita Federal, Ricardo de Souza Moreira, foi o debatedor da sessão e destacou que a metodologia do estudo evidenciou a baixa autonomia dos municípios – apenas 30 dos 5.568 brasileiros representam 60% da arrecadação de ISS do país.
Melhorias nas gestões estaduais
No caso da análise do Profisco I foi percebido um aumento de 11,7% na arrecadação total dos estados em função da implantação do Programa. Segundo a Especialista Principal em Gestão Fiscal do Bid, Maria Cristina Mac Dowell, o Profisco I teve efeitos positivos e sustentáveis na arrecadação e em variáveis do mercado de trabalho - aumento da formalização do emprego (2,6%) e de salários (3,4%). “Todo esse trabalho que nós fizemos foi fundamental para que o BID e o governo brasileiro solicitassem uma segunda rodada de modernização dos Estados, que é o Profisco II, atualmente em execução”, destacou.
O Profisco I alcançou 23 dos 27 estados da federação, e tinha como uma das condicionantes a implantação da Nota Fiscal Eletrônica. Segundo Maria Cristina, o Programa se destaca por sua flexibilidade, com projetos desenhados a partir da realidade fiscal e econômica de cada estado.
Na avaliação de Ricardo Moreira, transformação digital que o país passou em termos da fiscalização da arrecadação tem possibilitado a “conformidade por desenho”. Ele trouxe o exemplo da declaração pré-preenchida como esforço da Receita Federal de simplificar e explorar esses instrumentos que diminuem as situações de inconformidade e que seriam uma tendência da Reforma Tributária.
“Na Reforma Tributária, o que se pretende é que, ao fazer a operação comercial, ou industrial, o contribuinte só se preocupe com a operação do documento fiscal e o restante é com o fisco. A apuração, o fornecimento das guias para o pagamento, datas de vencimento, essa parte da conformidade como desenho. E esses documentos nos ajudam também para a outra parte, que é a de autorregularização, que foi muito bem comentada durante as palestras”, afirmou Moreira.
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